Se o leitor tem mais do que vinte discos de rock em casa, sabe muito bem como é o mecanismo da mídia quando o assunto é a admissão de novas bandas. Geralmente, os críticos costumam se alocar em dois pólos distantes: os seguidores dos tablóides britânicos adotam a postura superficial de incensar todo e qualquer novo conjunto, que com apenas dois singles se torna salvador do rock. No ano passado, um repórter do New Musical Express escreveu numa resenha sobre uma apresentação do Vines: "Foi tão histórico que daqui a alguns anos você vai desejar mais do que tudo ter visto esse show". Certo... Alguém sabe por onde anda o Vines?
Os representantes do outro grupo são os que se dizem experientes, amargam a crise da meia idade, e, após passar a juventude inteira adorando Smiths, começam a escrever textos dizendo que o rock está esgotado, as novas bandas hypadas são lixo e o quente é mesmo MPB. Entre esses extremos, os moderados são poucos. Toda essa balela serve para introduzir quatro novas bandas que têm atraído níveis diferentes de atenção nas mídias alternativas gringas. É de se perguntar se todas vão vingar e como será sua recepção no teatro maniqueísta que se tornou a crítica de rock no início desta década.
Duas são inglesas, British Sea Power e Darkness, uma canadense, Constantines, e a última dos Estados Unidos, Pretty Girls Make Graves. As duas primeiras lançam seus álbuns de estréia, enquanto as duas últimas já estão no segundo – entretanto, como só agora ganham algum destaque na imprensa, valem como novidade. Destas, apenas o Darkness juntou adulação da mídia com sucesso comercial, já que seu disco, "Permission To Land" (lançado em julho na Inglaterra, em setembro nos Estados Unidos e está para sair no Brasil pela Warner), chegou aos primeiros lugares da parada britânica.
O quarteto faz hard rock farofa ortodoxo, com todos os clichês: solos de guitarra virtuosos, refrões festivos, vocais agudos na linha mamãe-tô-forte, calças de lycra com estampa de leopardo, tatuagens na barriga de chamas que se elevam a partir da genitália... Como se Def Leppard, Cinderella, Poison, Mötley Crue e Twisted Sister tivessem ressuscitado da lata de lixo da história (aonde foram atirados com muita razão).
A exemplo do fenômeno Kings Of Leon, outro que faz rock totalmente anti-cool (mas que pelo menos compõe músicas sensacionais), é difícil de entender como a mídia inglesa adorou alto tão anacrônico. A crítica tem ressaltado a faceta pândega do grupo, ridículo em todas as instâncias, lembrando que tiração de sarro é extremamente rock’n roll. Certo. Mas como disse Leonardo (se é pra ficar nas referências bregas...), brincadeira tem hora. E nenhuma piada na história da música se sustentou sem boas canções.
"Permission To Land" raramente chega a ser torturante, mas é sempre constrangedor. Em meio a uma chuva de agudos hilários do cantor Justin Hawkins, o Darkness só empolga quando lembra Hellacopters, como nas regulares "Growing On Me" e "I Believe In A Thing Called Love". Mas momentos de ridículo explícito são o forte dessa turma, vide os baladões "Love Is Only A Feeling" e "Holding My Own". Se quiser rir a valer, pule direto para o refrão de "Givin’ Up" e para as risadinhas que precedem o solo de "Stuck In A Rut". Tem gente que paga sessenta reais em CD importado pra isso.
Bem menos badalado, o quinteto Constantines, de Ontario, Canadá, assinou com a Sub Pop, o selo independente que estourou a onda roqueira mais superestimada de todos os tempos, o grunge. "Shine A Light" (importado), lançado em agosto, é um disco acima da média entre a nova safra de grupos novatos, mas ainda não é exatamente um tiro certeiro. O som é indie cru, com tecladinhos e guitarras simplórias, meio na linha Afghan Whigs e o Pavement no começo, com vocais roucos que lembram tanto Bruce Springsteen quanto Mark Lanegan (ex-vocalista do Screaming Trees).
Às vezes, é ótimo, como na tensa "Young Lions", com uma levada tribal de bateria, ou nos vocais sutis da bela "On To You". A foraz "Insectivora", que termina numa avalanche de metais, também vale. Mas os Constantines se perdem com freqüência, ora fazendo baladas modorrentas ("Goodbye Baby & Amen"), ora rock reto demais (a faixa-título e "Scoundrel Babes"). Melhor esperar o próximo.
Ao contrário dos canadenses, o British Sea Power é mais potência do que potencial em "The Decline Of..." (importado), seu primeiro disco. O quarteto, liderado pelo talentoso vocalista e compositor Yan, vem de Brighton (cidade litorânea inglesa que tem uma das praias mais feias do mundo) e faz tudo certo para arregimentar um culto underground: solta discos e singles com lindas capinhas quase monocromáticas, assina com o conceituado selo britânico Rough Trade (o que projetou Smiths e Strokes), entope as letras de referências literárias... O respeitado DJ Steve Lamacq chegou a chamá-los de novos Smiths.
A banda de Morrissey é uma influência inegável, ainda que não a principal. Em onze faixas (a versão norte-americana, lançada em setembro pela Sanctuary, tem duas faixas-bônus), o British Sea Power oferece um rock denso, com climas safrados no pós-punk – Joy Division, Magazine, e vocais semelhantes aos de David Bowie. Se você gosta de Interpol, compre correndo.
Como se trata de banda inglesa, claro, a melancolia bate fundo, vide as belíssimas "A Wooden Horse", "Blackout" (ouça o refrão e tente não se lembrar de Smiths) e "Fear Of Drowning". Mais animadas, "Carrion" e "Something Wicked" deixam antever pontas de esperança. Entretanto, o quarteto não posa de coitadinho e deixa a galhofa saudavelmente tomar conta nas aceleradas "Apologies To Insect Life" e "Favours In The Beetroot Fields", duas pauladas punk divertidíssimas. A grandiosa "Remember Me" conjuga os dois extremos, com guitarras sujas decorando melodia e refrão épicos. Talvez a estréia do ano. No mínimo, muito melhor do que Coldplay.
O Pretty Girls Make Graves, de Seattle, é outra banda de inspiração smithniana – o nome da banda foi retirado de uma canção do primeiro disco da banda de Morrissey (e também é uma citação ao escritor Jack Kerouac). "The New Romance" (importado) é a grande aposta do ano da Matador Records, o selo independente mais conhecido do planeta, o que deve propiciar uma edição brasileira via Trama. São doze faixas de rock simples, amparadas em duas guitarras, agitadas e ao mesmo tempo com melodias tristes e letras apaixonadas, o que faz com que o Pretty Girls seja jogado na vala comum do rótulo emocore.
Mas nem sonhe em pensar em bobagens como CPM22. A qualidade melódica do grupo é bastante superior à de outros representantes do gênero, e, ao contrário das titias vegans do riot grrrl, a vocalista Andrea Zollo sustenta as notas sem desafinação nem gritos. Muito raramente, o Pretty Girls é chato, como em "Blue Lights" e na faixa-título.
Na maior parte do tempo, compõe faixas empolgantes que podem lhe garantir lugar de destaque na safra do novo rock (vide Strokes, White Stripes). O single "This Is Our Emergency" é a melhor música de "The New Romance", com melodia que vai e volta, guitarras que gritam e silenciam, um refrão sentido e uma letra ingenuamente romântica: "grite pra que eu possa te ouvir/ se aproxime pra que eu possa te tocar/ essa é nossa emergência".
O restante do repertório oferece momentos de mágica semelhante, seja na base de pauleira ("The Teeth Collector", "All Medicated Geniuses", que lembra outra banda genial, At The Drive-In), de rocks radiofônicos ("The Grandmother Wolf") ou baladas matadoras ("Holy Names"). Quem é fã de Sleater-Kinney periga mudar de ídolo. E é no mínimo muito melhor que Yeah Yeah Yeahs.
Numa amostra de quatro novas bandas, dá para tirar aproximadamente dois discos e meio excelentes. É uma média que fica entre a visão deslumbrada dos badaladores e a cabeça fechada dos tiozinhos que envelheceram antes do tempo. Ao seu modo, esse novo rock vai ficar.