Quem ainda se importa com o Belle & Sebastian? Nem os indies que pagaram uma nota preta para ver a (chocha) apresentação da banda escocesa no Brasil em 2001 parecem se importar com o fato de que a turminha de Stuart Murdoch está lançando disco novo. Naquela época, aliás, o B&S mergulhava no purgatório pop, pressionado entre a adoração dos fãs recentes (aqueles que já compraram os discos do grupo com o selinho da Trama) e os admiradores de primeira hora, que, numa atitude típica da corriola indie, já torciam o nariz para o B&S pelo fato da banda ter atingido alguma popularidade.
Nesse jogo de placar adverso, "Dear Catastrophe Waitress" (Trama), o quinto álbum, poderia representar uma redenção ao B&S ou simplesmente fazer com que o grupo embicasse com gosto em direção ao clube dos chatos do rock alternativo (composto por Travis, Suede, o Superchunk recente...). A segunda opção é mais plausível, apesar da badalação. Críticas delirantes compararam os arranjos preciosistas, que dão ênfase a cordas e metais, a Beach Boys, e o disco arrancou resenhas generosas.
Também, era difícil que o álbum fosse pior do que a trilha sonora "Storytelling" (2002), indiscutivelmente o pior item da discografia do B&S. Na altura do lançamento desse trabalho, Murdoch e cia. já tinham histórico de preocupante apatia criativa, visto que "The Boy With The Arab Strap" (1998) e "Fold Your Hands, Child, You Walk Like A Peasant" (2000) pecavam pela irregularidade (para cada pérola como "The Rollercoaster Ride", havia duas bobagens como o insuportável quase-hit "The Wrong Girl"), em contraponto ao pop perfeito dos primeiros discos.
As resenhas elogiosas a "Dear Catastrophe Waitress", aliás, não só são exageradas como míopes, pois sugerem que houve alguma mudança na musicalidade do grupo – mentira, visto que as referências do B&S continuam as mesmas: Simon & Garfunkel, Beatles, Velvet Underground, anos 80, Nick Drake. O percentual melancólico é que diminuiu, o que, diga-se, é uma pena. Quem ouviu "Fox In The Snow", "I Fought In A War" e "Electronic Renaissance" sabe bem que Murdoch é bem mais convincente quando decide se lamentar da vida. E quando não deixa que os outros integrantes da banda componham demais (ainda bem que a maleta Isobel Campbell pediu as contas).
O excesso de alegria naufraga muitas faixas do novo disco, como as solares "Step Into My Office, Baby", "Asleep On A Sunbeam" e "Roy Walker". Empolgado, o B&S fica tão banal que não passa de uma banda fofinha. São poucas as reminiscências dos Beach Boys, ao contrário do que querem fazer você acreditar, e sobram apenas reafirmações de intenções antigas: linhas de baixo à Velvet ("Wrapped Up In Books"), timbres datados de teclado ("Stay Loose"), refrões mccartneyanos ("You Don’t Send Me") e o evangelho segundo Morrissey (a capa monocromática ainda é Smiths puro, assim como o final de "If You Find Yourself Caught In Love", que ao final repete o título da canção ao estilo de "There Is A Light That Never Goes Out" – claro que sem o mesmo drama e sem a mesma inspiração).
A única faixa tristinha é "Lord Anthony", que ainda perde para outras canções corta-pulsos dos primeiros discos. Sobram duas ótimas músicas, "If She Wants Me" e "Piazza, New York Catcher", únicos momentos antológicos entre 12 canções. Assim como os anteriores, é tarefa árdua ouvir o disco de cabo a rabo. O B&S ainda tem crédito na praça. Mas não muito.
LANÇAMENTOS
Cooper Temple Clause – "Kick Up The Fire, And Let The Flames Break Loose" (BMG)
Segundo álbum do pouco conhecido sexteto inglês (mesmo entre o povo antenado), "Kick Up The Fire..." é bastante semelhante ao primeiro disco da banda, "See This Through And Leave" (2002, que também saiu no Brasil), na forma como rock pesado e psicodelia convivem sem muito nexo. O Cooper Temple Clause faz alusões ao som progressivo, em composições longuíssimas, repetitivas e recheadas de climas, o que por vezes estraga boas músicas. Como na romântica "Into My Arms", triturada ao final por uma avalanche estúpida e pretensiosa de barulho, ou as alternâncias sem sentido de "Music Box", que ainda é resgatada por um refrão belíssimo. Às vezes, a banda acerta na maluquice, como em "The Same Mistakes", mas se sai bem melhor quando decide fazer rock pesado ortodoxo: "Promises Promises" e "Blind Pilots", barulhentas e desesperadas, poderiam estar num disco do ...Trail Of Dead. Como algum becão de fazenda gritaria para aquele atacante firulento do seu time: "Joga fácil, rapaz!".
Para quem gosta de: ...Trail Of Dead, Radiohead fase "Kid A", Sigur Rós.
Lambchop – "Nixon" (Trama)
Este é o melhor álbum da banda de mais de dez integrantes liderada pelo vocalista e guitarrista Kurt Wagner. Na mistura idiossincrática de country, blues, rock alternativo e soul promovida pelo grupo da caipira Nashville, o último estilo ganhou consideravelmente destaque em "Nixon", que foi aclamado como um dos grandes discos do ano 2000. Sob cordas magistrais e intervenções delicadas de guitarra, Wagner emociona ao falhar em sua tentativa de emular o falsete de ídolos soul. A primeira metade do CD é histórica – "Grumpus", "You Masculine You" (a melhor do repertório) e "Up With People" são perfeitas. Na segunda metade, ainda brilha "The Distance From Her To There", mas há uma considerável queda na inspiração, quando a manha soul de Wagner desbanca para a preguiça pura. Faltou pouco para a obra-prima.
Para quem gosta de: Curtis Mayfield, Al Green, The Sea And Cake.
Ed Harcourt – "From Every Sphere" (EMI)
Este segundo CD do cantor e compositor inglês é o item menos badalado de um pacote de discos lançado esta semana pela EMI no Brasil (e que inclui também os trabalhos mais recentes de Starsailor, Audio Bullys, Athlete, Ok Go, Black Rebel Motorcycle Club e The Thrills), mas ironicamente é o mais interessante. Harcourt compõe ao piano e tece arranjos enxutos, sem truques de estúdio e quase sem experimentalismos, na trilha de trovadores que seguem o academicismo das baladas da segunda fase dos Beatles. Com isso, ele saca faixas pop perfeitas, como "All Of Your Days Will Be Blessed" e "Watching The Sun Come Up", dois hits em potencial, e estupendas canções de ninar, como "The Birds Will Sing For Us", "Sister Reneé", "Bleed A River Deep" e "Jetsetter". Pode ser zebra nas listas de melhores do ano.
Para quem gosta de: Badly Drawn Boy, últimos discos de Elliott Smith, John Lennon solo.
PROMOÇÃO – MELHORES DO ANO
Final de ano, hora de fazer as tradicionais listinhas de melhores discos. Esta coluna convida seus leitores a elegerem os melhores álbuns lançados em 2003. Mande uma mensagem através da caixa "Contate o colunista", logo abaixo, elencando quais foram os três melhores discos do ano na sua opinião. Vale nacional ou internacional, de qualquer artista ou banda – de Krisiun a Maria Rita, desde que tenham sido lançados em 2003. Quem enviar seu voto vai concorrer no sorteio de um prêmio: um pôster do White Stripes, com MC5 no verso, para você escolher qual lado quer pregar na parede do seu quarto. Não adianta mandar várias mensagens, cada leitor tem direito a apenas um voto. A lista dos melhores e o resultado da promoção saem na coluna da segunda sexta-feira de janeiro, dia 9 – portanto, você deve mandar sua mensagem até o meio-dia da véspera, dia 8. Não esqueça de colocar seu telefone pra contato e endereço completo. Maior barbada, difícil.