Música pop

Apostas da terra da rainha

04 fev 2005 às 11:00

Os Libertines foram a resposta britânica aos Strokes e inauguraram uma tendência no pop recente feito na terra da rainha: a volta ao rock tosco, de economia instrumental com odor pós-punk e apelo às cadeiras. Nessa onda, vieram Franz Ferdinand – o mais bem sucedido da turma, com vendagens que deixaram os próprios Strokes no chinelo -, Ordinary Boys, Razorlight... E as duas grandes apostas da temporada 2005, as bandas londrinas Bloc Party e The Others, seguem essa linhagem, meio que oposta à bunda-molice propagada por Coldplay, Muse e outros imitadores sem talento de Radiohead.

A exemplo dos Libertines, personalidade não é o forte destes novatos: o Bloc Party soa como um Gang Of Four atualizado, com batidas dançantes, riffs robóticos de poucos acordes e as mesmas letras políticas e recheadas de angústia juvenil. Mas não é ruim por causa disso – o disco de estréia do quarteto, "Silent Alarm" (V2 – importado), que chega no próximo dia 14 às lojas britânicas, é consistente de ponta a ponta, com melodias assobiáveis e estofo para empolgar pistas em discotecagens indies.


O vocalista e guitarrista Kele Okereke choraminga versos como "estou bebendo veneno/ e comendo vidro" ou "eu nunca soube o que é bom pra mim/ então serei seu", num jeito agridoce que lembra New Order (só que sem eletronices). Talking Heads, Smiths e outras bandas dos anos 80 também são influências nítidas. O Bloc Party nunca foge desse espectro e apenas orbita sobre ele: mais virulento ("Helicopter"), menos ("Positive Tension"), mais romântico ("Blue Light", "This Modern Love"), menos ("She’s Hearing Voices"), psicodélico, eventualmente ("Compliments"). Nada exatamente brilhante, mas um disco de estréia muito acima da média.


O primeiro álbum do Others, que leva o nome da banda e foi lançado nesta segunda-feira no Reino Unido pela Mercury, parece ter mais vocação para as paradas. Não só porque é melhor, mas porque o vocalista Dominic Masters é mais marqueteiro do que a turma de Okereke: ele alardeia sua preferência por crack, droga imbecilmente elevada ao status de cool devido ao vício de Pete Doherty (dos Libertines), faz os chamados guerrilla gigs – apresentações-surpresa em locais públicos, como o metrô de Londres -, deixou seu telefone particular no site da banda para que os fãs entrassem em contato...


Musicalmente, os Others vão pela praia dos Libertines, mas conseguem soar ainda mais primitivos, e são menos Clash e mais próximos de bandas indies americanas dos anos 90: algo da preguiça de Pavement, Lemonheads, Sebadoh e, principalmente, Dinosaur Jr – até nos vocais fanhos de Masters, que também emula o tom insolente do Iggy Pop fase Stooges.


"The Others", o álbum, é delicioso em todas as suas 12 faixas. Sob a postura arrogante, Masters sabe compor canções cantaroláveis e com jeito de hits, como os singles "This Is For The Poor" e "Stan Bowles", ambos com refrões adesivos. Outros momentos, como os pá-pá-pás de "William", a melancolia desencanada de "How I Nearly Lost You" (esta praticamente um plágio de Dinosaur Jr, preste atenção) e a ótima "Community 853", são igualmente difíceis de tirar da cabeça.

A banda também sabe pisar no freio, como mostra a triste "Johan" e a faixa que fecha o disco, "Darren, Daniel, Dave", que lembra as porra-louquices mais psicodélicas do repertório do Mudhoney. Considerando-se que o disco de estréia do Kaiser Chiefs não tarda, dá para dizer que a safra de novatos do rock britânico em 2005 vai ser no mínimo interessante. O que é bom para o ego dos ingleses, já que a concorrência este ano não virá só dos Estados Unidos – o pop canadense, que no ano passado deu as caras com Arcade Fire e The Dears, vai continuar dando o ar da graça com estreantes promissores como Magneta Lane. Por hora, uma disputa agradável.


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