Na abordagem analítica de Carl Gustav Jung, os sonhos expressam conteúdos individuais, sociais e universais. Eles exprimem sentimentos e pensamentos de uma determinada maneira, além de desejos e instintos soterrados na psique que podem ou não ser de ordem sexual.
Os sonhos possuem função fisiológica. Se não se permitir a uma pessoa dormir de modo a alcançar a fase REM , fase esta onde ocorrem a maioria dos sonhos, que se somam numa média de seis a oito por noite, essa pessoa passará a manifestar alucinações em vigília. Esta função do sonho é de descarga psíquica necessária para a homeostase do organismo.
Portanto, todas as pessoas sonham. Os motivos para o esquecimento são basicamente dois. Primeiro, o sonhador pode estar passando por uma fase de estresse que tanto pode ser físico quanto psíquico e emocional. Inclusive esse estresse pode ser uma grande alegria ou uma doença. Não são somente as emoções tidas como negativas que causam estresse. Desse modo, ocorre um fenômeno orgânico chamado censura para que o sonhador não se lembre de seus sonhos de maneira a poupar-se de um outro conteúdo que iria se somar ao organismo já onerado pelo estresse.
Em segundo lugar, o indivíduo pode não se lembrar dos sonhos por que o ego está censurando conteúdos tais que ele não deseja tomar conhecimento.
O sonho é curativo em si mesmo. Ao interpretá-lo estaremos desvendando sua linguagem simbólica através do raciocínio. No entanto, mesmo que não seja analisada ou interpretada, sua linguagem simbólica já é conhecida pelo ego, de modo que esse ego já sabe do que se trata. Mesmo que ainda não possua o conhecimento racional, já possui o conhecimento sensitivo.
A doença psíquica conhecida pelo nome de neurose tem como base o distanciamento do ego em relação aos instintos. Acontece que, quanto mais se nega o instinto, mais o ego estará à mercê dele. Ao contrário, quanto mais o ego toma conhecimento de sua vida instintual, mais esse ego poderá negociar e até se entender com seus instintos mais loucos.
Um ego fraco corre de seus sentidos e de suas percepções intintivas por que somente um ego forte é capaz de lidar com tanta variedade de desejos e ou sentimentos instintuais , os quais , em sua maioria, são negados e censurados. O ego fraco nega e um dia qualquer será tomado por estes mesmos instintos. Posteriormente, acredita que não foi ele quem fez isso ou aquilo, de forma a não se responsabilizar. O ego forte assumirá seus instintos e assim conquistará um salutar relacionamento consigo mesmo.
Por isso, aconselha-se como medida preventiva, anotar seus sonhos e falar sobre eles no café da manhã. Sem a necessidade de análise ou interpretação.
Nesta coluna falarei sobre sonhos e eventualmente apresentarei sonhos arquetípicos, ou melhor, sonhos interpretados à luz da simbologia universal. Portanto, não estarei fazendo análise e interpretação de sonhos individuais, embora, os sonhos de conteúdo universal sejam aplicáveis à maioria das pessoas.
Os sonhos estão para o indivíduo assim como os mitos estão para o coletivo.
Os mitos são como que sonhos de uma dada coletividade e é por isso que sofrem a análise e interpretação tal e qual os sonhos.
Se através dos sonhos conhecemos os caminhos e descaminhos da psique individual, através dos mitos conhecemos os caminhos e descaminhos da consciência e da inconsciência do coletivo.
Sonhos e mitos perfazem a linguagem do inconsciente e retratam a energia psíquica que atravessando a psique vem para atravessar a vida social e coletiva retornando à psique individual. Nessa travessia a energia psíquica modifica e se torna modificada tanto pelos conteúdos individuais quanto pelos conteúdos coletivos, que por assim dizer também sofrem as modificações tanto o sujeito quanto o coletivo. Sonhos e mitos demonstram a dinâmica interativa entre consciência e inconsciente numa retro-alimentação.
Quando uma só pessoa de uma dada família está em terapia, toda a dinâmica familiar se percebe alterada. Um membro da família ao modificar um de seus complexos psíquicos estará ofertando a todos os demais membros, uma nova estrada até então desconhecida pela psique familiar. Não há mágica nisso. O outro membro também terá de se esforçar, apenas não precisará de tanto esforço quanto o pioneiro.
Isso por que interagimos mutuamente com o outro em todos os níveis psíquicos, sem esquecer de que a psique possui um conteúdo herdado. A energia psiquica está e é o corpo, portanto habita em todas as células. Talvez o clone seja um dos maiores exemplos.
Sonhos e mitos são a linguagem esquecida do inconsciente que pretendo resgatar aqui junto aos leitores através de mitos universais, brasileiros e daqueles
que se apresentam em fatos do cotidiano.
"O imaginário aparece-nos como o grande denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano."
Gilbert Durant in: As Estruturas Antropológicas do Imaginário