Os cientistas ocidentais pesquisaram o fenômeno da amizade verdadeira e concluíram que ela é um mito por pressupor que na verdadeira amizade não existe interesse. Enfim, em toda amizade há um interesse e todas as pessoas procuram por amigos tão somente por motivos egoístas.
Consciente ou inconscientemente espera-se que o amigo retorne um favor ou que ele seja aliado nessa ou naquela situação. E para conquistar os aliados faz-se necessário ter em mente a subjetividade. Na amizade a função julgadora é o sentimento, o que significa que a pessoa irá julgar se a obtenção dessa amizade lhe será bom ou não, ou seja, algum tipo de interesse sempre existirá, inclusive para se afastar desse amigo assim que a situação exigir. Outra vez, isso vai ocorrer por motivos egoístas, embora a maioria das pessoas se justifique inventando ou imputando a culpa no outro.
Talvez o que mais se esquece nessa discussão é que a função sentimento não é irracional como se pensa, mas que é, pelo contrário, uma função racional e o que é mais interessante, é uma função julgadora e pode vir a ser altamente moralista.
O primeiro impacto ao conhecer o outro é a simpatia ou a antipatia. Ambas são julgamento sentimental e de projeção.
A projeção é um mecanismo inconsciente em que ocorre de se ter uma visão do outro conforme o próprio conteúdo inconsciente do observador. Ou seja, o observador ao olhar o outro, o julga sentimentalmente de acordo com seu próprio conteúdo psíquico, o que equivale a dizer que na projeção o observador observa a si mesmo e julga gostar ou não de si mesmo por que, simplesmente, ainda não conhece o outro.
Passado o encontro com o outro, chega-se a segunda etapa onde a pessoa irá decidir se deseja conhecer ou não esta pessoa. Se o desejo existir, então ocorrerá outro fenômeno psíquico que é chamado de empatia onde ambos se colocarão no lugar do outro como meio de sentir aquilo que o outro está sentindo.
Se nessa fase não houver diálogo com o outro de modo a expor aquilo que sente, então, haverá muita confusão e mau entendimento. Na comunicação com o outro ocorre "ruídos", projeções que se não forem expostas poderão gerar uma falsa identidade em relação ao outro e essa será a base para a posterior separação e desencontro.
Supondo que ocorra um processo de empatia bem sucedido, agora é a vez do desenvolvimento dessa relação onde, necessariamente, para que tenha sucesso, terá de acolher as diferenças sem causar ou sofrer sacrifícios. E jamais se esquecer de que para haver a relação, é necessário que haja pelo menos, dois corpos que se rocem a pele.
Quando se vivencia a amizade entre quatro paredes, ela se revela em fácil fluxo, cumplicidade e aconchego. Mas, quando se vivencia essa mesma amizade no grupo, a amizade torna-se mais frágil devido a expansão dos interesses e necessidades egoístas.
Por outro lado, se dois amigos compartilham o poder no grupo, podem, por uma questão de interesse se aliar para reforçar o poder de ambos até que venha a ocorrer um acontecimento onde um dos dois se estabeleça como líder. Desse modo, pode acontecer uma ruptura ou mesmo uma aliança onde um cede o poder ao outro, pelo menos temporariamente, de acordo com o seu próprio interesse.
Esse rodízio pode ocorrer entre vários membros do grupo, mas sempre de maneira pouco inteligente por que o grupo estará nivelado pela consciência mais baixa e jamais pela mais alta. Por isso, as decisões, a organização e a dinâmica entre os demais do grupo emergem como atitudes mesquinhas e de grande estupidez afetando o outro de modo pessoal embora seja tudo revestido, de modo pouco inteligente, de justificativas que se dizem não pessoais.
Assim temos que no grupo, a amizade além de se mostrar egoísta, ainda é utilizada como estratégia de manobra medíocre. Pelo menos, o que se revela entre as manobras estratégicas entre os "amigos", deixa muito a desejar em termos de inteligência.
É algo a ser considerado como objeto de estudo o fato de os fracos se aliarem de forma a derrotarem os mais fortes do grupo. Isso ocorre justamente devido à estupidez estabelecida. O membro mais forte do grupo não agüenta tamanha falta de inteligência e busca o isolamento como uma maneira de se manter coerente para com o seu trabalho e ou com sua ética pessoal.
Geralmente, o grupo estabelece regras de conduta, uma espécie de "cartilha" que inclui até mesmo hábitos e, principalmente, modo de pensar, de falar e até de usar e agir. O membro mais forte não se adapta a qualquer tipo de "cartilha" por que o mais forte segue junto aos seus instintos o que lhe confere sabedoria, criatividade e maleabilidade para acompanhar o grupo sem, necessariamente, a ele pertencer.
Desse modo, a popularidade jamais será o seu forte. Mesmo por que, seguir uma determinada "cartilha" além de ser estúpido é de baixa intensidade, o que resulta em grande tédio. Os mais fortes não se adaptam ao tédio.
Se a instituição tem uma boa base desse funcionamento entre as pessoas poderá se safar de possuir um quadro de funcionários liderado pelos mais fracos e assim garantir um espaço para a maior inteligência, força e criatividade ao invés de permanecer na mesmice por anos a fio.
Por outro viés, quando o quadro de funcionários está sendo liderado pelos mais fracos, qualquer tentativa de nova adaptação ao mercado que se faça, acabará sendo nivelada à estupidez vigente.
Falemos um pouco da amizade em geral. Hoje, há o amigo da academia de ginástica, o amigo da sala de aula, o amigo do trabalho, o amigo para sair e o amigo para receber em casa. Há o amigo que se fala sobre isso, mas não sobre aquilo. E há o amigo que se fala daquilo e não sobre o isso.
O que aconteceu com o amigo de todas as horas?
Essa dissociação pode ser o reflexo da dissociação que se vê na sociedade globalizada. O índice de informação se tornou tão alto e tão rápido que a pessoa já não consegue suportar manter a coesão. Dissociar e compartimentalizar no social passaram a ser um escapismo, uma defesa para manter a coesão do si mesmo. Daí a necessidade do isolamento e da ausência como fenômenos que se emprega nas relações afetivas de hoje.
Da mesma maneira, a sexualidade, o lidar com a corporeidade das pessoas e dos fatos foi sendo banalizado. Tudo pode e em qualquer idade. Essa falta de delimitação corpórea auxilia na prática da dissociação social e relacional, não como fator de esquizofrenização potencializada na diferença e acolhimento, mas como uma dissociação patológica para a preservação do si mesmo que sem alternativa, fica no isolamento potencializando um território para o desenvolvimento de possíveis doenças mentais.
E ao falar de globalização, não se pode deixar de mencionar que o amigo virtual, via internet, está ganhando em termos de cumplicidade e até de confiabilidade.
Isso está se dando por que ele está distante da pele. Não há o conflito diário do corpo a corpo que decide se nos disponibilizamos ou não. Falar com o amigo virtual é como falar no espelho, a gente se arruma e só mostra o que quer mostrar. Existe uma disponibilidade condicionada e pronta para a defesa em fuga.
Corre-se o risco de uma amizade virtual fantasiosa. A árvore de Natal sem os enfeites pode não corresponder à expectativa do observador.
Por outro lado, a banalização do corpo e de sua sensibilidade que está sendo vista e revista no fenômeno da globalização, torna o sujeito cada vez mais raro na argumentação inteligente, na percepção e na crítica. O sujeito está mais para objeto do que para a ação. Tornando-se assim vulnerável a toda e qualquer manipulação de massa. Daí o crescente número de igrejas e templos por todo o país e o absurdo da entrega a todo e qualquer poder sobrenatural.
Quando o sujeito não é mais o dono da ação, ele se torna aquele que sofre a ação, seja ela de ordem terrestre ou, como querem os crentes, de ordem celeste.
O poder do sujeito está no outro, já não se concentra nele de maneira que o melhor é acreditar ter um amigo super poderoso no céu do que se haver com frustrações e conflitos, prazeres e desprazeres na relação do corpo a corpo aqui na terra. Ressentido, deixa a vingança para após sua morte ou para quando o salvador, seu deus vingativo e também ressentido, chegar e derrotar seus inimigos.
Novamente, essa relação com o deus se faz via projeção. E como todos que possuem esse tipo de amizade com deus esperam em "deus" a vingança contra os inimigos, os inimigos de uns são os mesmos que também pensam serem amigos desse deus vingativo e ressentido. Seguindo essa linha de raciocínio, temos uma nação matando outra nação em nome de deus.
Por certo esse deus encontra-se num paradoxo: se ele derrotar e se vingar dos inimigos de um grupo, terá de, para ser justo, extinguir e derrotar os inimigos do outro grupo, até que não mais reste gente sobre a terra, e assim, ele seria injusto para com a sua criação.
Diante disso, temos que, se racionalmente analisarmos a relação de amizade, chegaremos a mesma conclusão dos cientistas: tudo é uma questão de interesse.
Talvez e apenas talvez, tenhamos a liberdade de escolher que tipo de interesse nos move em direção a essa ou aquela pessoa e avaliar as conseqüências desse envolvimento para todos os envolvidos a curto, médio e longo prazo.
A questão sobre interesse não é relevante e nem o mais importante numa amizade. O que realmente importa é que na relação com o outro as pessoas se lapidam e ambos se modificam.
A personalidade mais forte abrange a mais fraca que passa a ser mais influenciada e modificada, no entanto, devido aos conflitos estabelecidos, a personalidade mais forte também se modifica.
O olhar do outro acrescenta e enriquece à medida que nos desafia, que nos acolhe ou não, que nos incentiva ou não. O contato e o conflito estabelecido é o que mais importa.
Sem o olhar do outro ficamos sem referência e dificilmente saberemos sobre a nossa própria potência. É o olhar do outro que nos influencia a utilizar e ou a dimensionar a potência que temos.
O outro nos potencializa, seja ele amigo ou inimigo.