Mesmo o homem que é puro no coração
que antes de dormir faz sua oração,
Pode se tornar um animal.
Se o lobo de dentro o chamar
e a lua brilhar em seu quintal.
(anônimo)
Criatura do imaginário, o lobisomem é a representação dos sentidos mais selvagens e libidinosos do homem e da mulher. E como toda energia psíquica não pode ser julgada pela categoria moral, temos que o lobisomem em diversas culturas é tido ora como benfazejo ora como malfazejo, de qualquer modo é sempre representante de poder e força.
Talvez, um dos símbolos mais primitivos seja o deus Anúbis do antigo Egito que é representado com a cabeça de chacal.
O lobisomem é a soma do lobo mais o homem. O lobo, sendo seu lado instintual e o homem é descrito, desde as mais primitivas tradições como sendo, pretensiosamente, o microcosmo, o modelo reduzido do universo.
No Brasil existem muitas versões dessa lenda, variando de acordo com a região. Uma versão diz que a sétima criança em uma seqüência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o sétimo filho homem de um sétimo filho homem se tornará a fera.
O número sete é um número místico, representante da totalidade do universo em movimento. Simboliza a conclusão do mundo e a plenitude dos tempos. Para os dogons, povo primitivo, o sete é símbolo da união dos contrários, da resolução do dualismo e por isso de perfeição.
Ele é ao mesmo tempo o número do homem e do princípio do universo e nos contos de fadas ele expressa os Sete estados da consciência, sendo a sétima a consciência da vida.
Sete vezes sete vezes sete, é a expressão do ilimitado, do infinito.
Em algumas regiões, o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada. Depois de transformado, sai à procura de sangue, matando ferozmente tudo que se move. Para retornar a ser homem, ele volta na mesma encruzilhada antes do amanhecer.
De acordo com a simbologia dos contos, a sexta-feira representa a consciência da espiritualidade e conseqüentemente, do desprendimento da vida material.
O homem se transformando em lobo justamente na sexta-feira pode representar a indignação da matéria e do corpo em ser desprezada pelo instinto espiritual, um alerta de que o corpo e a matéria possuem a força e poder da transformação.
Em analogia inversa ao Sol físico, a culminação do Sol espiritual se dá à meia-noite. As iniciações nos mistérios antigos estavam associadas a esse horário. É o ponto a partir do qual se inicia a ascensão da revelação solar.
Um ponto de intensidade do qual se originam os valores opostos dos quais se estava valendo até então.
A encruzilhada é um ponto de repouso e um convite de que se vá mais além, ela não é um ponto terminal. É um lugar de meditação, de espera e de escolha, posto que ao parar numa encruzilhada se constatou a própria incapacidade de escolher.
Demonstra que alguém está diante do desconhecido, denotando inquietação e a preocupação de que precisa tomar uma nova orientação decisiva para sua vida.
É um lugar de encontro com outras pessoas e com as personalidades parciais da própria psique. Então, não é de se espantar que é na encruzilhada que o lobo se apossa do homem.
O lobisomem está numa encruzilhada: ele, o homem e ou ela, a mulher, precisa decidir a que forças se entregar. À força instintiva ou à força da consciência. O lobisomem é o abrupto e impensado resultado desse dilema. Dessa busca pela orientação combinada entre as duas grandes forças diante das agruras e delícias da existência.
O lobisomem aparece em noites de lua cheia que representa a imaginação exaltada e humores extremados. É na lua cheia que as feras ficam a solta.
Maré cheia e lua cheia ganham equivalência junto aos pescadores. E há um ramo da medicina que prefere não fazer cirurgia em lua cheia, pois o sangue do corpo também está aumentado.
A gente se transforma em lobisomem quando sentimos medo diante do desconhecido e quando não sabemos qual o rumo devemos tomar e percebemos que, afinal, todos os valores nos quais acreditamos e norteamos nossa existência já não tem mais sentido.
Nosso animo se exalta, nossos humores sofrem tamanha alteração que podemos virar um lobisomem e desejar sangue durante uma noite inteira.
Talvez todos nós já tenhamos tido essa experiência. Mas, o que pode matar um lobisomem, ou melhor, livrar o homem e ou a mulher de tal maldição é nele acertar uma bala de prata ou então, nele atear o fogo.
A prata simboliza branco e brilhante, sendo parte do principio feminino, lunar, aquoso e frio. Símbolo de pureza, como a luz pura e transparente do cristal, limpidez da água e brilho do diamante. Significa a pureza de intenção, limpidez de consciência, retidão de atos e a fidelidade resultante de tudo isso.
A bala de prata significa uma tomada de direção, uma tomada de atitude reta, direta, fria no sentido de não se deixar possuir pela emoção. Uma atitude de fidelidade a si mesmo. Àquilo que sente de fato e no mais íntimo de si. Uma atitude firme e límpida. Esta é a solução para não sermos possuídos pelo instinto da fera.
Contudo, para sabermos exatamente o que sentimos e para sermos honestos conosco, teremos de saber qual é a dor da fera que mora em nós. Qual é o seu medo. Porque o ataque só acontece diante do medo. Nenhuma fera ataca sem se sentir acuada. Esse ataque doentio é próprio apenas do homem ou da mulher insanos. Daqueles que nunca conheceram sua própria fera, sua dor, sua voz, seu ardor, seu medo, seu desejo mais louco e sua doçura.
A bala de prata só serve para iniciar um processo de viajar junto a fera e dela aprender o mais intimo de si mesmo. Respeitar, acolher e colocar o limite quando e como desejar.
O fogo é símbolo de transformação. O ferro que passa pelo fogo é o mais nobre e forte. O fogo advém das paixões.
Quando alguém aceita e se responsabiliza por sua própria fúria, seu ardor por algo ou por alguém, seu medo, sua angustia, sua dor, seu ciúme, sua inveja, seu luto, ou seja lá qual for sua paixão, quando esse alguém aceita, então acontece de se queimar em sua própria paixão.
Esse é o batismo de fogo do mundo antigo. Batizado assim está e batizado, psicologicamente significa, reintegrado ao Self, ao si mesmo, às forças instintivas da psique. Ganhou vida nova. Novos valores serão incorporados pelo ego. A vida ganhou um novo sentido, não mais baseado na categoria moral, mas sim na categoria de força e em seu sentido estético.
Há também uma outra parte desse mito que nos diz que os lobisomens se transformam totalmente em lobos e que esses mudam de forma a hora que querem e que não dependem de encruzilhadas e nem de lua cheia e nem de nada. Pois, esses possuem o domínio sobre si mesmos de modo a operar a transformação quando bem entendem e com consciência sobre tudo o que fazem.
Para os povos antigos, esses representavam os grandes feiticeiros. Ser feiticeiro significa saber criar e administrar poções de encantamento e magia. Ser feiticeiro significa conhecer e dominar seus sentidos, ótimo e prático olfato, ouvido para escutar, olhos para ver o que é e não aquilo que desejaria que fosse, sensibilidade de pele para todo o toque concedido e recebido.
O feiticeiro é aquele que tem acesso e acolhimento á sua sensibilidade, aquele que laça e cata a unha sua fera todos os dias sem, no entanto, se deixar enredar por ela, sem, no entanto, reprimi-la ou negar sua existência.
Esse é o feiticeiro capacitado a virar e desvirar lobisomem quando bem entender e com toda a consciência estética, posto que a união dos opostos, consciência e inconsciente, resulta na multiplicidade e acolhimento de forças que estavam soterradas devido a crença na dualidade que ora exclui uma ou outra parte.
Ao dividir as forças da psique em bem e mal, feio e bonito, o pensamento maniqueista não se apropria da ação da união dos opostos que trariam a diversidade, o múltiplo etodos seus novos valores e devires.
Qualquer pessoa que encontrar um alguém assim, logo se sentiria encantada. E tudo que esse alguém der ou fizer terá o efeito de uma poção e de magia, irremediavelmente.
Fonte de consulta: CASCUDO, L. C. -Geografia dos Mitos Brasileiros, 1976 RJ- José Olimpio Editora.
CHEVALIER, Jean e GHERBRANT, A.– Dicionário de Símbolos, 1989.
R.J. – José Olimpio Editora