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Traga-me um copo d´água, tenho sede...

31 dez 1969 às 21:33

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Tenho sede

Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem teu olhar


A planta pede chuva quando quer brotar
O céu logo escurece quando vai chover
Meu coração só pede teu amor
Se não me deres, posso até morrer

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Tenho sede, composição de Dominguinhos e Anastácia gravada por Gilberto Gil, é uma música esplêndida. Na minha adolescência, ela embalava muitos momentos agradáveis em festinhas nas quais dançávamos de rosto colado. A função da nossa coluna Gramática Portuguesa, no entanto, não é comentar os costumes dos jovens da década de 1970, e sim tratar de aspectos gramaticais.
A intenção também não é corrigir os autores, pois em composições musicais e poéticas, o autor tem a liberdade de se expressar sem se preocupar com as regras gramaticais. A isso chamamos de licença poética ou liberdade poética. E o cidadão comum também pode comunicar-se da maneira como achar mais adequada ou mais agradável no dia-a-dia. O nosso intuito aqui é transmitir a Língua Padrão, ou o que esteja mais próximo dela, aos cidadãos interessados por se comunicarem adequadamente ou aos estudantes que necessitam das ‘gramatiquices’ para conseguir a tão almejada vaga em uma instituição de Ensino Superior. Bem, chega de lengalenga e vamos ao que interessa: a Gramática da Língua Portuguesa.
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Dizem os alfarrábios (livros antigos) que, para que um texto seja elegante e esteja em conformidade com as regras gramaticais, há a necessidade de uniformidade de tratamento, que consiste em tratar o interlocutor utilizando a mesma categoria gramatical do começo ao fim do texto.
Se iniciar o texto tratando o interlocutor por tu, deve-se continuar esse tratamento até o fim, estabelecendo a concordância dos verbos e das demais classes gramaticais sempre na segunda pessoa do singular. Se usar algum pronome de tratamento, como você, Vossa Excelência, Vossa Senhoria, etc., a concordância tem de ser mantida na terceira pessoa do singular.
Na poesia de Dominguinhos e Anastácia prevalece o tratamento tu:


- "E os meus olhos pedem teu olhar"
- "Meu coração só pede teu amor"
- "Se não me deres, posso até morrer"

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O pronome possessivo teu refere-se à segunda pessoa do singular, tu. Caso fosse usada a terceira pessoa do singular, o pronome seria seu. O verbo dar está conjugado na segunda pessoa do singular. Caso estivesse na terceira pessoa, seria Se não me der.
Muito bem. Há, porém, um verbo que não está conjugado na segunda pessoa do singular: o verbo trazer. Vejamos o que acontece então:
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O verbo trazer foi usado na poesia indicando um pedido do eu-poético: ele pede que alguém lhe traga um copo d´água. Quando isso ocorrer, ou seja, quando se usar um verbo com a intenção de pedir algo, ou ainda para ordem, apelo ou conselho, dizemos que o verbo se econtra no modo imperativo. Este modo é conjugado da seguinte maneira:
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I- Imperativo Afirmativo: ordem, pedido, conselho ou apelo feitos afirmativamente:
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1) Se alguém tratar o interlocutor (ou os interlocutores) por tu ou por vós, conjuga-se o verbo no presente do indicativo (tempo que caracterizamos com a frase Todos os dias...), retirando-se a letra S do verbo. Por exemplo:

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- Pedir que o interlocutor saia, tratando-o por tu:



Presente do indicativo: Todos os dias tu sais. Retirando-se a letra S: sai é o imperativo do verbo sair para tu:

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Sai daqui, moleque, pois tu estás atrapalhando teus amigos.



- Mandar que os interlocutores venham, tratando-os por vós:

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Presente do indicativo: Todos os dias vós vindes. Retirando-se a letra S: vinde é o imperativo do verbo vir para vós:



"Vinde até mim para que eu possa vos perdoar."

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2) Se alguém tratar o interlocutor (ou os interlocutores) por você ou por vocês, ou ainda se usar qualquer outro pronome de tratamento, como Vossa Excelência ou Vossa Senhoria, conjuga-se o verbo no presente do subjuntivo (tempo que caracterizamos com a frase Espero que...). Por exemplo:



- Pedir que o interlocutor saia, tratando-o por você:

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Presente do subjuntivo: Espero que você saia: saia é o imperativo do verbo sair para você:



Saia daqui, moleque, pois você está atrapalhando seus amigos.

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- Mandar que os interlocutores venham, tratando-os por vocês:



Presente do subjuntivo: Espero que vocês venham: venham é o imperativo do verbo vir para vocês:



Venham até mim para que eu possa lhes perdoar.
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II- Imperativo Negativo: ordem, pedido, conselho ou apelo feitos negativamente:



Todas as pessoas (tu, você, nós, vós, vocês) têm conjugação idêntica à do presente do subjuntivo (tempo que caracterizamos com a frase Espero que...). Por exemplo:



- Pedir que o interlocutor não saia, tratando-o por tu:



Presente do subjuntivo: Espero que tu saias: saias é o imperativo negativo do verbo sair para tu:



Não saias daqui, moleque, pois preciso de ti.



- Pedir que o interlocutor não saia, tratando-o por você:



Presente do subjuntivo: Espero que você saia: saia é o imperativo negativo do verbo sair para você:



Não saia daqui, moleque, pois preciso de você.



- Mandar que os interlocutores não venham, tratando-os por vós:



Presente do subjuntivo: Espero que vós venhais: venhais é o imperativo negativo do verbo vir para vós:



Não venhais até mim que não vos perdoarei.



- Mandar que os interlocutores não venham, tratando-os por vocês:



Presente do subjuntivo: Espero que vocês venham: venham é o imperativo negativo do verbo vir para vocês:



Não venham até mim que não lhes perdoarei.
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Isso posto, podemos voltar à poesia Tenho sede:



Conjuguemos o verbo trazer no imperativo afirmativo, que é o que fizeram Dominguinhos e Anastácia:



Tu- Presente do indicativo: Todos os dias tu trazes. Retirando-se a letra S: traze é o imperativo do verbo trazer para tu. Modernamente, admite-se também a retirada da letra e: traz. (O mesmo acontece com os verbos dizer e fazer).



Traze-me um copo d´água que te darei um beijo.
Traz-me um copo d´água que te darei um beijo.



Vós- Presente do indicativo: Todos os dias vós trazeis. Retirando-se a letra S: trazei é o imperativo do verbo trazer para vós.



Trazei-me um copo d´água que vos darei um beijo.



Você- Presente do subjuntivo: Espero que você traga: traga é o imperativo do verbo trazer para você:



Traga-me um copo d´água que lhe darei um beijo.



Nós- Presente do subjuntivo: Espero que nós tragamos: tragamos é o imperativo do verbo trazer para nós:



Tragamos-lhe um copo d´água que ele nos dará um beijo.



Vocês- Presente do subjuntivo: Espero que vocês tragam: tragam é o imperativo do verbo trazer para vocês:



Tragam-me um copo d´água que lhes darei um beijo.
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Caso os autores quisessem escrever a poesia seguindo a norma padrão, sem recorrer à licença poética, teriam feito assim:



Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem seu olhar



A planta pede chuva quando quer brotar
O céu logo escurece quando vai chover
Meu coração só pede seu amor
Se não me der, posso até morrer



Ou assim:



Traze-me (ou Traz-me) um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem teu olhar


A planta pede chuva quando quer brotar
O céu logo escurece quando vai chover
Meu coração só pede teu amor
Se não me deres, posso até morrer


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