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Palestra-mico

18 ago 2010 às 10:35

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PALESTRA-MICO


Cheguei à escola onde daria a palestra às 19h35. À frente do prédio estava a coordenadora, esbaforida, pois havia esquecido a chave do portão. Apresentei-me a ela e ao senhor que a acompanhava; conversamos um pouco, até que surgiu um carro veloz, do qual desceu uma senhora arredondada e um tanto corcunda — a diretora da escola — mais esbaforida que a coordenadora, correndo e gritando: "Tá aqui a chave!", "Tá aqui a chave!". Eram 19h40.

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Entramos na escola. Passamos por um longo corredor, com várias portas de ambos os lados que dão acesso às salas de aula, até chegarmos à biblioteca — uma pequena sala de uns 20m2, que seria inaugurada naquela noite, em homenagem a um pequeno aluno que falecera havia algum tempo. Encaminhamo-nos ao pátio externo, onde aconteceria a palestra. Ficava ao lado do parquinho das crianças, onde todos os brinquedos — escorregador, labirinto, roda-roda (sei lá se os nomes são esses mesmos) — foram literalmente "embrulhados" pelas professoras com papel crepom para que ninguém os visse de fato. A escola preparara uma festa, pois inaugurariam também o parquinho naquela noite.

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Aos poucos os convidados foram chegando e sentando-se nas cadeiras adrede preparadas — umas cento e dez cadeiras. Enquanto isso, preparei o meu material e instalei o lap top e o projetor. Estava pronto para começar. Fiquei um pouco preocupado, pois a tomada elétrica em que liguei a extensão ficava a uns 2m de altura; o fio, então, ficou pendurado, solto na parede, descendo até o chão. Da parede até a mesa em que estava o lap top havia uns 5m; o fio, também solto. Eram 19h55.

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20h: a coordenadora pega o microfone — Vamos começar! Pensei cá comigo. Enganei-me; ela apenas pediu que os convidados saíssem pelos fundos do pátio para presenciarem a bênção do "Cristo" da escola pelo padre da cidade. Todos se levantam e se dirigem para onde ela havia indicado, passando sobre o fio — que estava solto! Eu, ao lado da mesa, pedia: "Cuidado com o fio. Cuidado com o fio". Felizmente ninguém tropeçou nele. A diretora, depois que a maioria já havia passado, interveio, mastigando alguma coisa, dizendo que se enganaram: não era para sair pelos fundos, e sim pela frente. Todos voltam em um burburinho de reclamação. E eu, ao lado da mesa, mais uma vez desesperado: "Cuidado com o fio. Cuidado com o fio". Ninguém tropeçou, felizmente.


Eu fiquei por ali mesmo, fingindo mexer em alguma coisa importante. Não tardou para a coordenadora e a diretora, novamente esbaforidas, voltarem correndo para me buscar a fim de que eu também participasse da solenidade. Acompanhei-as até a frente da escola, onde colocaram uma mesa que serviria de altar e onde estavam o padre e todos os convidados, tomando a calçada e toda a rua, esperando-me para começar uma missa (mas, não seria apenas uma bênção?). A diretora, já menos esbaforida e com algumas migalhas de algo parecido com pão no canto da boca, levou-me até o altar e entregou-me um turíbulo, pedindo que eu o segurasse para o padre — turíbulo, aliás, que não foi usado em momento algum; apenas fiquei-o segurando o tempo todo. Começa a missa. O cameraman liga sua aparelhagem para filmar a solenidade, com um holofote imenso, direcionado ao padre e a mim.

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A missa durou uns vinte minutos. É importante informar que a temperatura, naquela noite, estava em torno de 28 graus e que eu estava de terno e gravata. Aquela lâmpada sobre mim deve ter aumentado a temperatura para uns 32 graus. Eu me sentia derreter...


Terminada a missa, depois de eu ter espargido água benta na frente da escola a pedido da mastigadora diretora, chamaram-me para descerrar a fita inaugural da escola, que não estava sendo inaugurada; ela já funcionava havia dois anos. Mais uma vez o holofote sobre mim. Finalmente entramos na escola. O padre foi espargindo água benta de sala em sala, até chegarmos à biblioteca. Adivinhem quem segurava o recipiente com a água benta para o padre: eu, logicamente.

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Na biblioteca havia, em uma das paredes, uma fotografia do menino homenageado sob uma pequena cortina que seria aberta, simbolizando a inauguração. A sala ficou superlotada (e o holofote sobre mim; e eu de terno; aliás, só eu de terno; os demais de jeans e camisa de manga curta — uns e outros de bermudas...). A coordenadora chamou a família do menino, e a diretora, ainda com as migalhas no canto da boca, leu um discurso de aproximadamente quatro páginas. Ao término, uma das presentes puxa uma ave-maria. Acabaram rezando umas doze. Enfim inauguraram a biblioteca e convocaram todos para o pátio externo. Saí daquela salinha suando em bicas, passei pela cozinha, que era contígua à biblioteca, e pedi um copo d´água. Uma professora lavou um copo que estava embaixo da pia e me serviu água da torneira, já que, segundo ela, haviam esquecido os copos descartáveis e as jarras para colocar água...


20h50: uma professora começa a solenidade, dando boas-vindas a todos, dizendo: "Gostaria de agradecer a presença dos pais, das autoridades presentes" (Observe o vício, o chavão, pois a única autoridade presente era o vice-prefeito, que, por sinal, era pai de aluno; não estava lá, então, representando o prefeito, e sim como pai de aluno.) e avisando que, depois das solenidades, seria servido um coquetel, que já estava sobre as mesas do corredor, bem ao lado das cadeiras em que os pais se sentaram para assistir à palestra. Colocaram papel de embrulho sobre os pratos.

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Os alunos da pré-escola foram chamados para apresentarem um esquete, acompanhados por uma aluna do Ensino Médio, que tocou algumas músicas em seu ‘teclado’.


21h05: a professora chama a coordenadora. Esta agradece novamente e apresenta os professores da escola, um a um, que sobem ao palco, também um a um, sob o aplauso da plateia. Eu também sou chamado para, enfim, começar a palestra. Quando subo ao palco, todos os professores me rodeiam e me aplaudem efusivamente. Foi constrangedor: eu, ali, no meio daquela roda de professores aplaudindo.

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21h20: (A palestra havia sido marcada para as 20h!) comecei a palestra, usando um microfone dourado, ligado a uma pequena caixa de som, cinco metros atrás de mim, com um fio de apenas cinco metros também. A minha locomoção ficou totalmente prejudicada, além de o som ficar às minhas costas. É muito estranho ouvir a si próprio às suas costas...


Durante a palestra, as crianças que apresentaram o teatrinho ficaram soltas pelo pátio. Algumas corriam em volta das cadeiras onde os pais estavam sentados, passando pelo fio solto do lap top. Cada criança que passava por ali me deixava desesperado, diante da possibilidade de tropeçarem no fio e desligarem o lap top e o projetor. Outras foram para trás da caixa de som brincar de pega-pega. Eram aproximadamente vinte, correndo por todos os lados — inclusive entre mim e a plateia — e gritando. Alguns adolescentes ficaram na calçada, conversando, rindo alto, xingando uns aos outros de vez em quando, como ocorre em qualquer roda de jovens. Outros ficaram dentro da escola, em uma sala com janelas para o pátio externo. Às vezes, um deles aparecia na janela para ver o que acontecia durante a palestra; às vezes, dois ou mais — para eles era uma festa. Almofadas voavam lá dentro.

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Gritos se sucediam; das crianças, dos adolescentes, de alguém de lá de dentro da sala, da diretora pedindo silêncio aos adolescentes, da professora tentando acalmar as crianças, de alguns pais ralhando com seus filhos. Por duas vezes derrubaram uma bandeja vazia na cozinha. O barulho era infernal, e eu tentando ministrar a palestra, ouvindo-me a mim mesmo às minhas costas. Os pais se levantavam, ora para acudir o filho que caíra, ora para levar o filho ao banheiro, ora para buscar o filho que correra para a rua, ora para conversar com o filho que estava com fome e queria comer logo; alguns se levantavam para fumar, levando outros consigo, e ficavam a conversar, olhando para mim de longe. Houve um momento da palestra em que duas fileiras ficaram completamente vazias para, logo depois, voltarem a se encher. As crianças, curiosas, iam até o parquinho; algumas tentavam olhar por debaixo dos "embrulhos", e algumas professoras corriam até lá, gritando com eles e os expulsando.


A minha palestra tem duração de uma hora e meia aproximadamente. Percebi que deveria ser mais rápido dessa vez, principalmente quando a diretora surgiu na entrada do pátio, mastigando alguma coisa e olhando para mim, fingindo interesse. Entrava, ficava um pouco lá dentro — acredito que na cozinha — e voltava mastigando, mastigando. E os demais olhando para o relógio insistentemente, acho que pensando no coquetel que seria servido ao final da palestra e que já estava sobre as mesas, devidamente coberto por papel de embrulho, desde antes das 20h. E já eram 22h!


22h05: Terminei a palestra para alegria geral, inclusive para a minha. Acho que ninguém, absolutamente ninguém, escutou atentamente frase alguma minha. O coquetel finalmente pôde ser servido: tubinhos de maionese, torradinha, coxinha frita, palitinhos de salsicha e azeitona enfiados em um mamão verde, coca cola e tubaína. Estes, os refrigerantes, quentes; aqueles, os salgadinhos, murchos e frios.


A diretora, sempre mastigando algo e, desta feita, com, além das migalhas, maionese no cantinho da boca, diversas vezes veio até mim, enquanto eu desligava o lap top e o projetor, trazendo consigo uma bandeja de algum salgadinho e insistindo que eu comesse alguma coisa. Eu, gentilmente, dizia-lhe que já havia comido ‘alguma coisa’ antes de chegar lá e que não tinha o hábito de me alimentar à noite, principalmente àquela hora.

Rapidissimamente consumiram quase tudo o que havia e foram-se embora. Às 22h25 despedi-me da diretora (com sujeirinha no canto da boca – na dela; não na minha) e da coordenadora, saí de lá e fui jantar, sozinho, em uma pizzaria na cidade vizinha, onde estava hospedado, rindo-me de tudo o que havia acontecido naquela noite.


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