FELIZ ANO-NOVO!
Um ano termina; outro se inicia. Sucessivamente. E o que é que muda
nessa simples substituição de números além do fato de termos de trocar os
calendários que estão sobre as mesas e em nossas carteiras, as folhinhas que
estão penduradas nas paredes e as agendas onde marcamos nossos
compromissos e anotações? Nada! Absolutamente nada muda! Tudo não passa
de mais um dia depois do outro.
Por que, então, insistimos em acreditar (ou pelo menos desejar) que tudo
mudará? Por que, ano após ano, voltamos a ter, no ano-novo, a esperança de
um futuro muito melhor, mesmo que os sucessivos anos de nossa vida tenham
sido calamitosos? Por que precisamos dessa crença em que todos serão
abençoados com trezentos e sessenta e cinco dias maravilhosos, nos quais só
ocorrerão fatos auspiciosos a cada um, à sociedade e ao Universo, sem crises
econômicas, sem guerras, sem fome, sem catástrofes nem cataclismos?
Sabemos que tudo permanecerá como dantes, mas insistimos em acreditar (ou
pelo menos desejar) que tudo mudará. Por quê?
RAZÃO PARA VIVER
Acreditamos nisso porque, segundo Freud, precisamos dos devaneios, das
fantasias, dos sonhos, para nos estimular a desenvolver-nos pessoalmente. Não
dos sonhos que temos durante o sono, mas daqueles que criamos em nossa
mente no dia a dia e que nos levam a crer que somos o que queremos ser,
daqueles que criamos para contrabalançar as frustrações que se nos apresentam
cotidianamente e que, muitas vezes, nos deixam prostrados, sem reação. Se
não tivéssemos a certeza de que podemos nos melhorar, não haveria razão para
a vida humana tal qual ela é. Agiríamos como animais irracionais, apenas
satisfazendo nossos instintos, realizando, sem raciocinar, ações que satisfaçam
os desejos imediatos. Não pensaríamos na preservação da espécie nem na
melhora da sociedade. Não nos preocuparíamos com a educação das crianças;
não haveria escolas; não haveria livros; a internet não existiria. Viveríamos,
simplesmente viveríamos, um dia depois do outro. Como os animais irracionais.
Mas não é isso que queremos para nós e para nossos familiares.
Queremos uma vida melhor, queremos saúde, dinheiro, paz, felicidade.
Queremos esperança; não a esperança como simples ato de esperar algo, mas
a esperança como confiança. Temos confiança em que conseguiremos bom
êxito, em que teremos resultados satisfatórios em tudo o que empreendermos;
senão, não o faríamos. Confia-se em Deus, em Buda, em Confúcio, em Brâman,
em Tupã, em deuses da mitologia grega ou da nórdica, em orixás ou xamãs.
Temos de confiar em que existe algo superior a nós, que nos ajudará a atingir
nossos objetivos, pois sabemos o quão difícil é isso.
VIDA BOA X BOA VIDA
O bom êxito e os resultados satisfatórios, porém, não devem ficar restritos
à vida social. Não devemos querer um futuro melhor tão só financeira e
profissionalmente, mas sim devemos buscar aquilo a que os filósofos gregos
antigos chamavam de "vida boa", cujo significado não é ter uma "boa
vida", no sentido de viver de forma prazerosa, de desfrutar com
satisfação todos os momentos da existência, mas sim ter uma vida de virtudes,
em que predomine a essência da humanidade: sabedoria, coragem, justiça,
temperança.
Os gregos possuíam um modelo de vida moral a que chamavam de
"areté" (ou aretê), que consistia em agir à busca da estética espiritual,
em agir objetivando a nobreza das ações, a grandeza de caráter, e isso se
consegue não apenas com o desejo (abstrato) de que algo exterior a si se
melhore para melhorar a si próprio, mas sim com o propósito (concreto) de ser
uma pessoa melhor a fim de melhorar a si próprio e ajudar os demais a se
melhorarem também, melhorando, assim, o que está exterior a si.
DEVANEIOS, FANTASIAS, SONHOS
Temos devaneios, fantasias e sonhos, segundo Freud. Usemos, então,
essa característica para beneficiar a nós mesmos. Para isso, é só passar a
imaginar que temos disposição para a estética espiritual; é só adquirir
voluntariamente essa disposição e agir os melhores atos para atingir a
excelência da nossa própria humanidade. Assim não haverá pura e
simplesmente um dia depois do outro, pois passaremos a ser elementos
agentes da mudança que queremos e que não ocorrerá tão somente na virada
do ano, mas sistematicamente em nossa vida.