NÃO QUERO SER ‘GENTE-GRANDE’
No conto Canto Geral, Guimarães Rosa escreveu a seguinte frase:
"Miguilim não tinha vontade de crescer, de ser pessoa grande, a conversa das pessoas grandes era sempre as mesmas coisas secas, com aquela necessidade de ser brutas, coisas assustadas."
Quando eu era jovem, sentia o mesmo que Miguilim. Nunca quis tornar-me "gente-grande". Isso não tem relação alguma com a síndrome de Peter Pan. Não significa que eu gostaria de ter permanecido na infância ou na adolescência sempiternamente. A questão é que sempre considerei poder ser adulto sem levar a vida tão a sério assim. Isso não significa que eu seja irresponsável ou insubordinado (acho que às vezes até sou um pouco insubordinado, mas tento não o ser). Não significa ser sempre o "fiscal do bom comportamento". Significa poder se soltar das amarras da austeridade de vez em quando; significa ser menos rigoroso consigo próprio, ser menos rígido, menos ríspido, menos sombrio; significa ser mais brando, mais doce para com as outras pessoas, mais flexível nos relacionamentos, mais gentil, mais alegre, mais humanitário, mais humano...
Sou "gente grande", sem hífen, cujo significado é "adulto", mas não quero ser "gente-grande", com hífen, palavra não registrada nos dicionários da Língua Portuguesa.
GENTE-GRANDE
Considero "gente-grande" aquele que se preocupa em demasia com a opinião alheia a ponto de se policiar constantemente, afinal "tem um nome a zelar"; não se permite um deslize sequer; seu comportamento tem de ser impecável em todos os momentos; tudo tem de estar sob seu domínio, pois tem medo de perder o controle sobre si próprio, sobre os demais e também sobre as coisas. O "gente-grande", com hífen, é responsável, trabalhador e esforçado, ético, como todo gente grande, sem hífen, tem de ser, mas também é maçante e enfadonho; é chato mesmo. Às vezes, nós, adultos, somos chatos demais. Alguns só sabem conversar emitindo sua opinião sobre trabalho, família, amigos e conhecidos - principalmente para desaprová-los em algum aspecto; outros só conseguem conversar sobre si mesmos, sobre o quanto são competentes e interessantes, sobre como seus afazeres são mais importantes que os dos demais, sobre como os seus planos são espetaculares, mesmo que todos percebam que são inatingíveis. Alguns passam a se enxergar como gostariam de ser e se esquecem de ser o que realmente são.
A maioria dos "gentes-grandes" só pensa em dinheiro e no que pode fazer com ele para seu próprio deleite, esquecendo-se de que o dinheiro veio da sociedade e que parte dele para ela deveria voltar, em forma de algum trabalho voluntário ou em doações para entidades carentes. É preciso ser mais humanitário; é preciso trabalhar mais para o bem da humanidade, dedicar-se mais aos outros seres humanos, entregar-se a atividades que não tenha a si mesmo como o centro, como o objetivo final. É preciso ser mais "gente"; é preciso sentir-se elemento participativo do gênero humano e agir como tal.
JOVENS VELHOS
Há também muitos jovens que se levam a sério demais e se transformam em jovens velhos. Esses perdem a oportunidade de viver intensamente uma das melhores fases da vida, que é a adolescência; deixam de ter a vivacidade própria dessa idade e passam a ter modos de gente velha. Velho, não no sentido de idade avançada, mas no de retrógrado. Há muitas pessoas com a idade avançada, mas que têm muita energia, tanto no corpo quanto na mente, que não perderam o viço, que se sentem dispostas a enfrentar a vida e todas as suas dificuldades, que têm planos para o futuro, que sempre querem iniciar algo interessante para si e para os que os rodeiam, que não se sentem derrotados, mesmo quando perdem uma batalha para um "gente-grande".
NINGUÉM É IMUTÁVEL
Posso ser adulto responsável, trabalhador, esforçado e ético sem me deixar contaminar pelos "gentes-grandes". Posso aprender com os erros deles, analisando-os e percebendo quais são as atitudes inadequadas que eles têm e procurar ser diferente deles. Devo aprender com meus próprios erros de "não gente-grande" e evitar repeti-los, conseguindo, assim, um maior crescimento pessoal.
Ninguém é imutável. Tudo muda constantemente. Nós não podemos permitir que nossa mente fique estagnada e que ajamos sem a intervenção da nossa inteligência. Nossa vida não precisa ser cheia de coisas brutas, assustadas; precisa, sim, ser enriquecida com relações afáveis, com atitudes corteses, com gentileza, com humanidade. Talvez, agindo assim, consigamos que os demais também o façam.