Embora as palavras sejam conflitantes, faz sentido uma ditadura para salvaguardar uma democracia. A China é mais ou menos isso. A pompa e a circunstância, unidas à organização perfeita da Olimpíada e o grande número de medalhas de ouro que os chineses conquistaram e os tornaram campeoníssimos, mostraram que eles são um povo que volta a florescer e que aquele regime político está dando certo. Só cada povo sabe o que é bom para si mesmo. Acontece na China um socialismo de Estado estribado num capitalismo racional e bem comportado.
O Partido Comunista – o supremo poder – é formado pelos operários e camponeses, portanto um autêntico partido do povo e que visa atender aos anseios populares. Os Jogos Olímpicos mostraram um retrato mais ampliado da China, que tem suas mazelas mas também seus progressos. O povo é privado de certas liberdades e é monitorado pelo partido, mas tem emprego, alimentação, serviços de saúde e de educação, e moradia.
Os rostos que vimos na televisão pareceram demonstrar que os chineses estão bem vestidos e que são felizes. Também lá existem os bolsões de pobreza, mas atente-se que eles são 1 bilhão e 300 milhões e o território, ademais montanhoso, é pouco maior que o do Brasil. Depende de saber-se o que um povo quer: se plena liberdade para fazer muitas coisas mas não ter aqueles bens (ou tê-los com racionamento) ou viver com mais conforto e sob o regime de controle mais rígido para garantir uma democrática distribuição de bens.
Imaginemos um pai que tem entre seus filhos um ou outro que desejam surrupiar coisas dos irmãos, ou são mais comilões, tornando mal dividido o que é de todos. Então esse pai impõe um sistema radical para preservar uma justa distribuição das coisas para toda a família. Uma ditadura servindo à causa da democracia. No Brasil vive-se uma ditadura muito pior que a da China. Porque, se podemos protestar contra o Governo (o que não é possível naquele país), 20% dos quase 200 milhões que somos vivem em estado de pobreza quase extrema. Isto não é democracia. O regime, tido como democrático, é constituído por um considerável porcentual de corruptos.
Os poderes governamentais ditam impostos escorchantes e o povo subjugado tem de pagar. Se não o fizer, terá bens confiscados – um procedimento correto se houvesse a contrapartida idêntica em serviços sociais e obras. Dá-se validade à candidatura dos fichas-sujas, para atender aos preceitos da lei. Mas sabe-se que nem tudo que é legal é moral. O legalismo exacerbado é também uma forma de ditadura, porque prevalece a letra morta em detrimento da sabedoria.
A China mostra que suas leis do trabalho são flexíveis, diferente do Brasil, onde o rigor excessivo da legislação inibe contratações e retarda o desenvolvimento. Com toda a certeza isto fere princípios da democracia numa nação cujos governantes tanto a exaltam. Democracia não é apenas o direito de votar e ser votado e de protestar publicamente. Tão boa quanto a democracia política é a democracia social – entenda-se a sábia distribuição da riqueza nacional para todos, de acordo com as aptidões de cada um mas que não haja exploração e escravização. E essa derivação de escravo nem é correta, porque os escravos – por serem propriedade dos patrões e tinham um preço – eram bem alimentados.
Descobertas chinesas foram decisivas para a humanidade. Foi lá que inventaram o papel, a bússola e a tipografia. E também a pólvora, que geraria tragédias. Mas os chineses também inventaram os sinos e os tambores, o balão, o pára-quedas, o jogo de xadrez, a porcelana, o relógio. E depois da pólvora o fósforo. O ditador Mao Tsé Tung atrasou a China, que se livrou dele, e hoje nas escolas começou-se inclusive a ensinar os mandamentos de Confúcio, o maior sábio chinês de todos os tempos. Progresso material, melhor conduta de vida e um olhar para o desenvolvimento da espiritualidade – conforme o mestre ensinou – irão completar a soma de ingredientes para uma paz terrena e celestial.