Hoje* perdemos o mais velho realizador do mundo em atividade: Manoel Cândido Pinto de Oliveira. Foi também o cineasta mais longevo. O primeiro filme que vi de Manoel foi Viagem ao Princípio do Mundo - e confesso que assisti por ser este o último filme de Marcelo Mastroianni. Em 2005, estive na estreia do filme Espelho Mágico na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Oliveira estava na sessão e um pouco antes havia participado de uma palestra com parte da imprensa e do público. Nesse mesmo dia, fui a um show no qual se apresentavam The Strokes, Arcade Fire e Kings Of Leon. A noite longa e intensa ainda permitiu uma passagem pela antigo Vegas na Augusta - foi um dos dias mais intensos da minha vida. Revendo agora esse episódio vejo como foi tão singular começar uma jornada com Manoel de Oliveira e terminá-la com Julian Casablancas. Entre todos que encontrei nessa noite, certamente Manoel era o espírito mais jovem: estava sempre a caminhar.
Tudo já foi dito sobre ele enquanto cineasta. Era uma figura admirável, não só pela longevidade, mas pela fidelidade aos seus princípios. Você pode não admirar algum dos seus filmes, mas nunca poderá acusá-lo de renegar a sua visão de mundo. Foi uma espécie de escritor que filmava, e por que não um pintor que lutava contra as imagens em movimento. Essa aparente imobilidade está em seus filmes nunca como um estilo ou como uma suposta teimosia: é algo que o aproxima de uma certa espiritualidade - o cinema como forma contínua de materialização do mundo invisível ao nosso redor.
Não sou adepto a todos os filmes do cineasta - há alguns de que gosto mais, e outros de que gosto menos. Mas nos filmes a que pude assistir sempre havia essa presença tão concreta e ao mesmo tempo generosa de alguém que não criava imagens a partir de uma vaidade ou outra questão aflitiva: parecia mesmo um príncipe deslocado do seu reino, um homem do futuro que estava sempre a nos aproximar de uma outra forma temporal.
Em 2011, em entrevista a um diário português, disse Manoel: "(A morte) não me assusta nada. O sofrimento, sim, a morte não. Há um poeta português que disse que o espírito é como o ar que se respira. Eu fiquei com essa ideia. E, ultimamente, há um outro escritor que diz que o espírito é como o ar que se respira. Fiquei muito emocionado nesse livro, que eu li era muito novo. Fiquei sempre a pensar... E agora, pensando melhor, realmente, quando se morre, solta-se o espírito. O espírito é como o ar que sai. E o espírito sai e junta-se. Ao sair, perde a personalidade, onde está todo o bem e todo o mal, liberta-se desse bem e mal e junta-se ao absoluto, que é a configuração do espírito, o absoluto. É Deus." Um personalidade autêntica o cineasta Manoel.
*Texto escrito a 2 de abril de 2015.