"Por que escalar o monte Evereste?", pergunta na tenda do acampamento-base o jornalista Jon Krakauer (Michael Kelly). "Porque ele está lá!", respondem em uníssono ensaiado os alpinistas amadores e profissionais que formam o grande elenco de Evereste. É uma resposta evasiva mas muito justa: como resumir em palavras o anseio instintivo que move as pessoas contra as maiores forças da natureza? Quem diz que "porque sim não é resposta" não entende que certas coisas não se racionalizam.
Mas racionalizar as coisas - ou pelo menos tentar - é uma forma de atribuir-lhes sentido, e isso não deixa de ser uma das responsabilidades de um artista. O que torna Evereste um filme absolutamente depressivo é que o diretor Baltasar Kormákur, ao usar o popular e edificante subgênero do filme de sobrevivência para contar a história da transformação brutal do Evereste num destino turístico massificado, esvazia de sentido as jornadas dos seus personagens, e não encontra nada em substituição para preencher esse vazio.
Realizar um dos longas mais sinistros do ano provavelmente não era a intenção do diretor islandês, nessa ficcionalização de uma história real ocorrida em maio de 1996, quando num único dia três expedições diferentes foram pegas por uma tempestade de neve repentina no topo do monte mais alto do mundo. De qualquer forma, Kormákur parte de uma decisão consciente, ao tornar a banalização do Evereste um elemento central da trama, desde as cartelas explicativas (que enumeram que centenas de pessoas escalam o monte regularmente desde que as expedições comerciais se multiplicaram nos anos 1990) até as viradas de roteiro (o conflito estabelecido entre grupos concorrentes, o primeiro clímax com a demora na fila de alpinistas na Face Sul).
Quem enxerga comentários desolados sobre o capitalismo em Na Natureza Selvagem,outro filme tirado de um livro-reportagem de Krakauer (Evereste usa como base tanto No Ar Rarefeito de Krakauer quanto o livro Deixado para Morrer, escrito por outro sobrevivente), deve encontrar em Evereste pretextos suficientes para criticar o impulso consumista que, maquiado de jornadas de superação, pontua as histórias pessoais no filme. À falta de uma dramaturgia que dê realmente um peso e um sentido a esses alpinistas (Evereste parece um daqueles filmes-corais como Magnólia, mas com um grupo de personagens muito parecidos entre si orbitando a esmo um único protagonista, a montanha), o que resta é um relato sádico e anticlimático daquilo que no fundo é pouco mais do que uma propaganda turística enganosa.
Nada representa melhor esse vazio do que o momento em que Kormákur enquadra uma escarpa, na face mais vertical do Evereste, que parece saída de descrições rochosas de H.P. Lovecraft em Nas Montanhas da Loucura: a pedra preta sem neve, tenebrosa, um monstro de cavidades faciais profundas, como se hipnotizasse o homem a perder a razão. Ao abraçar essa irracionalidade - que no desvario capitalista dos turistas-alpinistas ganha outro rosto, igualmente delirante - o filme torna a sobrevivência ao Everest não uma demonstração da vontade humana ante os obstáculos da natureza, mas um castigo, fadado a ser lembrado para sempre como cicatriz.
No extremo oposto de Evereste, temos filmes como Até o Fim. É oportuna a comparação porque o longa de sobrevivência em alto-mar estrelado por Robert Redford, embora não tenha quase nenhum diálogo, é todo pensado como um resgate civilizatório da linguagem e da racionalização - e é nesse resgate que reside a sua maior vitória do homem contra o mundo selvagem. Não há vitória possível para o indivíduo em Evereste, um filme em que ser um ponto fora da curva, na banal repetição do sobe-e-desce de expedições, é sinônimo de tragédia.
(com informações do site Omelete)