Armado de números positivos de redução no desmatamento da amazônia, o governo brasileiro deve chegar à COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), com a intenção de ser representante de questões simbólicas e se destacar como mediador de conflitos, além de propor a criação de um fundo para florestas.
O evento começa nesta quinta-feira (30), em Dubai, nos Emirados Árabes.
Segundo o MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática) e o MRE (Ministério de Relações Exteriores), nas negociações o Brasil pretende ser o "paladino do 1,5°C", a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris.
A ideia é que o país incentive outras nações -especialmente as mais ricas- a adotarem metas mais firmes e rápidas, que possibilitem limitar o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Publicada em setembro, a avaliação mais abrangente já feita sobre o andamento do combate à crise climática aponta que, apesar de avanços, a humanidade está rumo a um aumento de 2,4°C a 2,6°C na temperatura média global.
Esse inventário (chamado de "global stocktake", ou balanço geral) será um dos pontos centrais desta COP. É a partir dele que os países devem reavaliar seus atuais esforços e assumir compromissos mais ousados, que devem ser apresentados em até dois anos, durante a COP30, que deve acontecer no Brasil, em Belém.
Logo, o Brasil está começando agora uma mobilização que pode ter impactos diretos no tamanho do seu sucesso como organizador da COP de 2025.
O secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty, André Corrêa do Lago, explica que o país defenderá o 1,5°C como limite para o aumento da temperatura mundial porque é isso que prega o mais recente relatório do IPCC (painel científico do clima da ONU), lançado entre 2021 e 2022.
"O novo governo brasileiro acredita na ciência. E o que nós estamos propondo é que não seja apenas a ambição dos países [que cresça]. Estamos propondo que, dentro da Convenção, a referência [nos textos oficiais] passe a ser 1,5°C", revelou à Folha o embaixador. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) é o organismo que gere as negociações climáticas globais.
"O Brasil acha que, neste momento em que estamos fazendo o balanço geral, o Acordo de Paris tem que incorporar a ciência mais recente", diz.
Assinado em 2015, o tratado diz que é preciso manter o aumento da temperatura média global "bem abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C".
Côrrea do Lago defende, porém, que esse aumento na ambição climática venha aliado à ampliação do financiamento disponível para que países em desenvolvimento possam cumprir essas metas.
O financiamento é um dos pontos de maior divisão dentro das negociações climáticas. Neste e em outros temas, o Brasil quer mediar questões que estejam travando avanços, como uma ponte entre os países industrializados e os em desenvolvimento. Quer também trazer exemplos nacionais de sucesso para propor soluções.
Neste sentido, além de cobrar o cumprimento de promessas já assumidas, como a de destinar US$ 100 bilhões anuais para ações climáticas nos países em desenvolvimento, atrasada desde 2020, o Brasil propõe uma nova frente de financiamento. A ideia é criar um fundo voltado exclusivamente para a conservação de florestas.
"É um fundo que vai buscar captar recursos que não se encaixariam dentro das estruturas que já existem", explica o diplomata, referindo-se ao mercado de carbono e a mecanismos com o Fundo Amazônia, que são baseados em emissões de gases de efeito estufa. Já o fundo que deve ser proposto por Lula na COP28 se baseia em hectares de floresta em pé.
Ainda não foram divulgados detalhes sobre o funcionamento nem quais seriam os países interessados em apoiar esse fundo. A proposta foi anunciada na quinta-feira (23) em reunião da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) como uma ideia inicial, ainda não desenhada totalmente.
Outro anúncio que deve ser feito internacionalmente é a criação de um modelo de incentivo para recuperação de pastagens degradadas. Com isso, produtores interessados em comprar ou arrendar essas terras teriam acesso a um financiamento com juros mais baixos para transformá-las em lavouras com uso de agricultura sustentável.
Na COP28, o país também vai aderir a um acordo para triplicar a capacidade de geração de energias renováveis. "O Brasil analisou e vai se associar à declaração", afirma Corrêa do Lago, ressaltando que a ideia do acordo é triplicar a capacidade de geração de renováveis no mundo, como um todo.
"A gente vai trabalhar com outros países em bioenergia, etanol, eólica, solar, hidrelétrica, tudo o que a gente puder", diz.
Vitrine e calcanhar de Aquiles
Como chamariz para todas essas propostas, o governo brasileiro levará os números de queda expressiva no desmatamento na amazônia.
De janeiro a outubro de 2023, a área desmatada no bioma caiu pela metade (49,6%) na comparação com o ano passado: foi de 9.493,8 km² para 4.775,6 km², segundo dados do sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Também será apresentado no estande brasileiro na COP28 o Plano para Transformação Ecológica, voltado para a descarbonização da economia brasileira. Encabeçado pelo Ministério da Fazenda e contando com a participação de outros ministérios, um evento para o lançamento internacional do projeto está marcado para sexta-feira (1º).
Apesar das boas notícias, internamente, o Brasil tem questões difíceis para resolver no Congresso, como a possível derrubada do veto presidencial ao marco temporal das terras indígenas. O governo também não conseguiu aprovar até agora a regulação do mercado de carbono nacional, algo que inicialmente pretendia levar para a COP.
Além disso, tem chamado a atenção a perda de vegetação nativa no cerrado, que vem batendo recordes. Nos dez primeiros meses do ano, o desmate no bioma foi de 5.073,6 km² em 2022 para 6.802 km² neste ano, crescimento de 34%.
Demandas da sociedade civil
O cerrado é um dos focos das preocupações de cientistas e ambientalistas para a COP28. No início de novembro, uma carta assinada por mais de 40 pesquisadores ligados a instituições brasileiras e estrangeiras foi publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution pedindo a proteção de ecossistemas não florestais no combate à crise climática.
Em setembro, entrou em consulta pública o plano de combate a crimes ambientais no cerrado, o chamado PPCerrado. O documento final ainda não foi divulgado, mas, segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já está pronto para ser lançado.
Outra demanda veio de um documento assinado por 61 ONGs brasileiras, que pedem que a COP deste ano entregue um plano efetivo para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. As entidades pressionam também pela criação de um imposto sobre os lucros inesperados das petroleiras (aqueles obtidos em momentos de crise, como na Guerra da Ucrânia), a ser revertido para ações de combate às mudanças climáticas nos países pobres e emergentes.
O Brasil é hoje o oitavo no mundo na produção de petróleo. Em março, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que estará presente na conferência do clima, anunciou planos para escalar a produção nacional e tornar o Brasil o quarto maior produtor global.
As ONGs também sugerem que sejam criados mecanismos de troca da dívida externa dos países pobres e em desenvolvimento por ações de mitigação e adaptação à crise climática.