Sob o argumento de falta de voluntariedade e de que estavam sob pressão indevida ao firmarem seus acordos de colaboração, delatores da Lava Jato têm ido à Justiça para anular atos da operação contra eles.
Leia mais:
Câmara dá aval a troca de imóveis para novas sedes do Ippul e Codel
Filho de autor de atentado em Brasília presta depoimento à PF em Londrina
Diretor-geral da PF endossa Moraes e relaciona atentado ao 8 de janeiro
Bolsonaro fala em 'fato isolado' e diz que explosões em Brasília devem levar a reflexão
Esses pedidos têm sido direcionados ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli, mas eventualmente também são enviados a juízes de outros tribunais.
Além de delatores, pessoas que foram alvos da operação e cujas condenações seguem válidas também aguardam decisão em seu benefício. Uma delas é o ex-diretor de serviços da Petrobras Renato Duque, que foi preso em agosto.
Há, ainda, alvos dos desdobramentos da delação da Odebrecht fora do Brasil que têm solicitado a anulação de provas, na tentativa de suspender ações no exterior contra eles.
Foi a partir de um pedido desses que o ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht conseguiu, em maio, com que Dias Toffoli anulasse todos os atos da Lava Jato contra ele. No último dia 6, a Segunda Turma do Supremo confirmou essa decisão, mantendo a nulidade.
No pedido apresentado a Toffoli, os advogados de Marcelo Odebrecht, Nabor Bulhões e Eduardo Sanz, afirmaram que diálogos obtidos pela Operação Spoofing (que investigou os responsáveis por hackear e vazar conversas de procuradores) mostram que a força-tarefa da operação fez pressão para que o empresário abdicasse de tentar deixar a prisão preventiva e fizesse o acordo.
A intenção, dizia a defesa, era que ele "renunciasse ao seu direito de liberdade, desistindo de pedido de revogação de prisão preventiva formulado em primeiro grau, sob pena de suspensão das negociações dos acordos de leniência da Odebrecht e dos acordos de colaboração premiada".
"[Marcelo] não aceitava fazer acordo de delação premiada porque sua atuação como presidente da holding do Grupo Odebrecht não estava relacionada às empresas do grupo que operavam com a Petrobras e a força-tarefa pretendia que ele viesse a atender aos seus caprichos de sair acusando pessoas inocentes para viabilizar persecuções penais absolutamente ilegais e abusivas."
Outro delator, o empresário Adir Assad, também pediu a Toffoli a suspensão do pagamento da multa prevista em seu acordo de delação premiada, "em razão das fundadas dúvidas a respeito da voluntariedade deste último quando assinou referida avença".
A defesa disse que Assad fez delação em meio a sucessivas prisões e condenações, que o levaram a ter "que capitular" em "condições anormais de temperatura e pressão".
Toffoli deu acesso a Assad à íntegra das mensagens da Lava Jato, mas disse que era prematura qualquer análise do Supremo sobre o tema, que deveria ser tratado inicialmente na primeira instância.
Já Renato Duque não chegou a assinar um acordo de delação, apesar de ter sinalizado em diversas ocasiões que tinha disposição para colaborar com a Justiça.
Duque foi um dos mais longevos presos da operação. Ao longo do período de prisão, confessou ter cometido crime e aceitou abrir mão de R$ 100 milhões em contas no exterior. Também fez acusações contra o hoje presidente Lula (PT).
Em julho, ele voltou a ser preso por quatro condenações que já transitaram em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso, que envolvem crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A Toffoli a defesa de Duque pediu que todos os atos contra o ex-diretor na Lava Jato também sejam anulados.
Procurada, a defesa de Duque, comandada por Marcelo Lebre e Bruna Canto, afirmam que o caso do ex-diretor "tem uma base primária análoga" ao de Marcelo Odebrecht.
"Os motivos que foram empregados pelo STF para a anulação da decisão de Odebrecht são de cunho objetivo e perfeitamente extensíveis ao sr. Renato Duque", dizem.
Toffoli ainda não decidiu sobre o processo.
Ele é relator, desde a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski em abril do ano passado, de um processo sobre a validade de decisões que usam provas oriundas dos sistemas da Odebrecht.
Esse processo foi apresentado originalmente pela defesa do presidente Lula, à época comandada por Cristiano Zanin, que se tornou ministro do Supremo em 2023.
Lewandowski suspendeu ações penais contra o petista sob o argumento de que a higidez dessas provas estava corrompida, sobretudo porque os arquivos foram transportados de forma inadequada.
Em setembro do ano passado, Dias Toffoli determinou que as provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht e também dos sistemas Drousys e MyWebDay –respectivamente de comunicação interna e de contabilidade e controle de pagamentos de vantagens indevidas– são imprestáveis em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.
Na decisão, ele fazia acenos a Lula, com quem se desgastou nos últimos anos, e disse que a prisão do petista foi uma armação e o "verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia".
Segundo ele, a prisão de Lula "até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país", mas "foi muito pior".
Também por causa desse processo sobre as mensagens, Toffoli suspendeu em dezembro passado o pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões aplicada contra a J&F no acordo de leniência do grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Em seguida, o ministro suspendeu o pagamento de multas decorrentes do acordo de leniência firmado entre a Novonor (antiga Odebrecht) e o Ministério Público Federal.