"Eu nunca sabia quem eu ia encontrar em casa. Era terrível. Ele chegava muito agressivo, me empurrava, puxava meu cabelo com violência e eu não reagia. Apertava os meus braços e me deixava toda roxa. Eu tinha que trabalhar de manga comprida".
A violência sofrida por Mônica* há cerca de cinco anos é mais comum do que se imagina. De acordo com uma pesquisa divulgada em 2013 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), 35% da população feminina com mais de 15 anos já sofreu violência física ou sexual. A maioria, contudo, é agredida pelo próprio companheiro. "Fui ficando doente, com pressão alta. Um dia quase sofri um infarto e tive que ir ao hospital de ambulância. Eu vivia com medo", conta a entrevistada que preferiu não se identificar. Ainda segundo a OMS, 42% das mulheres que sofrem violência doméstica ficam com sequelas físicas ou mentais.
Porém, não é preciso ir longe para constatar a dimensão do problema. Na Delegacia da Mulher, só em abril, 225 pessoas registraram boletim de ocorrência. "Temos observado um crescimento da violência contra a mulher", observa a juíza Zilda Romero, titular da 6ª Vara Criminal da Comarca de Londrina, na qual tramitam 1.100 ações penais e 1903 medidas protetivas. "A gravidade também tem aumentado, resultando muitas vezes em homicídios", alerta a magistrada.
No caso de Mônica, as agressões – físicas e morais - aconteciam dentro de casa e partiam, na época, do marido. Ela revela que recebia várias ameaças por e-mail e celular, mesmo quando ainda estava casada. Depois que decidiu se separar, continuou sendo intimidada por mais um ano. "Tive que trocar o número de telefone. Ele me ligava de madrugada e eu fazia de tudo para evitar um possível encontro".
Muitas das agressões, de acordo com a juíza da Varia Maria da Penha, são motivadas pelo término do relacionamento. "Já vi casos em que o homem ateou fogo na cabeça da mulher, arrancou os dentes e deformou o rosto", relata.
Por que denunciar?
O primeiro passo para punir o agressor, buscar segurança e evitar futuras ameaças, é a denúncia. Para dar suporte às mulheres em estado de vulnerabilidade, Londrina conta com a Delegacia da Mulher, cujo atendimento é exclusivo aos casos previstos na Lei Maria da Penha, que cria mecanismo para coibir qualquer forma de violência doméstica e familiar.
Entretanto, muitas mulheres ainda se veem dominadas pelo medo e preferem o silêncio. "Não queremos que nenhuma mulher sofra dentro do lar e não podemos aceitar que elas sejam espancadas e mortas por seus companheiros", diz a magistrada.
Para fazer a denúncia, a vítima deve se dirigir até a Delegacia da Mulher, instalada na rua Marcílio Dias, 232. O atendimento é feito de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 12h e das 14h às 18h. Nos feriados e finais de semana é preciso procurar a 10ª Subdivisão Policial, localizada na rua Sergipe, 52.
A falta de plantão na Delegacia da Mulher tem gerado reclamações. Quando foi agredida, Mônica procurou a delegacia especializada mas a encontrou fechada. "Fiquei muito chateada. Geralmente, a mulher é espancada aos finais de semana, quando o homem está em casa ou chega bêbado",explica. Comparecer à delegacia comum, segundo ela, causa constrangimentos.
A juíza titular revela que existe um movimento da Vara em parceria com a comunidade, cujo objetivo é viabilizar atendimento 24 horas. "Muitos casos realmente acontecem nos feriados e durante a noite. Toda a rede que trabalha no combate de violência à mulher apoia essa reivindicação".
Após a confecção do boletim de ocorrência, o inquérito policial é instaurado e encaminhado para o Fórum. A partir daí, toda a equipe da Vara Maria da Penha composta por psicólogos, assistentes jurídicos e sociais participa de reuniões onde a vítima é orientada.
Posteriormente, o agressor é ouvido e acompanhado por profissionais que o ajudarão a mudar de comportamento. A mulher é sempre amparada por um advogado do Núcleo Maria da Penha (Numape).
Mônica explica que não voltou à delegacia para fazer a denúncia por medo. "Hoje estou em paz e tranquila. Eu achava que esse tipo de coisa a gente só lia em livros ou assistia em filmes", desabafa. "Eu olhava para uma mulher que apanhava e pensava: ‘poxa, por que ela fica casada?’. Hoje eu sei que sair dessa situação sem ajuda é muito difícil. Tive muito apoio da minha família.
Perfil agressor
A magistrada da 6ª Vara destaca que não existe um perfil de agressor. O conceito de que a violência só acontece nas classes menos favorecidas é totalmente equivocado. "As classes menos privilegiadas procuram mais a Justiça porque têm menos pudor, enquanto as mais abastadas ficam tímidas e com receio de uma possível repercussão", analisa.
*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.