Não há grades nem algemas separando os professores dos alunos na sala do cursinho pré-vestibular que existe dentro da Penitenciária Estadual de Londrina – II, a PEL 2.
O curso existe desde 2013, a partir de uma iniciativa do juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP) de Londrina, Katsujo Nakadomari, junto com a coordenação do CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos). "A ideia era dar algum encaminhamento aos presos que concluíam o ensino médio e não tinham outras oportunidades de estudo. Assim, começou a turma de 2013”, recorda Nakadomari.
Mas, no ano seguinte, o cursinho foi rescindido e o projeto só foi retomado no começo de 2019, a partir de um esforço conjunto da direção da PEL, do Juiz da VEP e da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
Através do investimento do Conselho da Comunidade, foi aberta uma turma para 50 alunos, que recebem o mesmo material acessado pelos estudantes do CEPV/UEL (Cursinho Especial Pré-Vestibular da UEL) – projeto de extensão da Universidade, onde quem dá as aulas para os vestibulandos são os próprios alunos de graduação.
Segundo Miriam Medre Nóbrega, pedagoga na PEL 2, há uma Comissão Técnica de Classificação, formada por profissionais do jurídico, da pedagogia e da psicologia que selecionam quais detentos podem participar das aulas do cursinho. Condenados por crimes sexuais, por exemplo, não podem participar das aulas do curso, pois ficam numa galeria separada dentro da unidade. Apesar disso, eles podem prestar o vestibular e o Enem.
Segundo Emerson Chagas, 47, diretor da PEL 2, dos 1.240 detentos que estão hoje na unidade, apenas 120 têm o ensino médio completo – menos de 10% da unidade. Ele estima ainda que cerca de 70% dos apenados que chegam à PEL 2 têm como escolaridade o fundamental incompleto. Dos 35 alunos do cursinho que aceitaram conversar com a reportagem, apenas dois já haviam colocados os pés dentro de uma universidade. A maior parte havia concluído os estudos de ensino fundamental e médio dentro de unidades prisionais.
V., 37, que parou os estudos aos 10 anos e concluiu-os dentro de uma unidade penal em 2013, afirma que "Apesar de eu estar preso, esses três anos que eu trabalho na biblioteca foram a melhor fase da minha vida. [...] Quando eu via as pessoas na faculdade, esses universitários, para mim era só rico. Nunca passou pela minha cabeça que eu conseguiria entrar uma vez na UEL”.
M., 26, é um dos aprovados no Vestibular da UEL. Na rua, ele parou de estudar na 7ª série. "Coisas que eu nem sabia eu aprendi aqui dentro. Então às vezes eu me pergunto, será que se eu tivesse na rua eu teria conseguido isso?”.
Outro aluno do cursinho, J., 35, começou a trabalhar aos 16 como entregador em uma farmácia. Ele parou no primeiro ano do ensino médio e finalizou os estudos na Casa de Custódia em 2018. "É uma realidade muito distante para quem vive na periferia, para quem mora na margem da sociedade”. Sobre o cursinho dentro da Unidade, ele afirma que "Foi o que aconteceu de mais importante na minha vida e na de muitos que estão aqui. Agora, mesmo que nós não consigamos neste ano ingressar na universidade nós podemos retomar sonhos antigos, que foram frustrados não pelas pessoas, mas por nós mesmos”.
Oportunidade
Não basta, contudo, passar no vestibular. Depois de aprovados, os detentos passam por uma entrevista junto ao Juiz da VEP, que decidirá quem pode frequentar uma universidade. "É difícil. [...] Eu não posso errar com a comunidade”, afirma Nakadomari.
O juiz da VEP analisa, conforme os antecedentes, as intenções e o crime praticado quais detentos possuem perfil adequado para poder sair e voltar para a unidade prisional diariamente. Um dos critérios mais importantes é que o preso, através do estudo, não venha a reincidir em nenhuma prática criminosa: "Eu quero liberar o preso para não mais reincidir. Todo o sistema é falho. Mas nem por isso nós vamos nos entregar”.
Para um dos alunos do cursinho, de 28 anos e preso há 5 anos, ainda há esperança. "Esse projeto abre o olho, a alma e o coração das pessoas”, elogia. "Uma palavra para mim resume: oportunidade. Para a direção do sistema, para a sociedade em si, ver o valor que a gente tem como ser humano, não só como preso. A gente pode ser alguém, tem o benefício da escolha de almejar algo na vida”, declarou. (*Sob supervisão do editor Rafael Fantin)
*Matéria originalmente publicada no site Jornalismo Periférico