O avião ATR 72-500 da Voepass que caiu em Vinhedo (SP) na última sexta-feira (9) atravessou uma zona crítica para a formação de gelo por quase dez minutos antes da queda. É o que mostra uma análise do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Antes mesmo de chegar a esse trecho com condições severas, a aeronave havia passado por uma área com ventania intensa e grande variação de temperatura, contribuindo para as adversidades durante o voo, diz o laboratório. Umidade e frio extremo (de -45°C), ventos de alta velocidade, um ciclone extratropical sobre o Rio Grande do Sul e fumaça de queimadas na atmosfera compõem o cenário de dificuldades que podem ter contribuído para o acidente.
"À medida que ele [avião] avançava, encontrava uma atmosfera muito mais perturbadora", diz o professor Humberto Barbosa, coordenador do Lapis. "Estou olhando para isso apenas do ponto de vista meteorológico, sem saber o que apontavam os sensores da aeronave. É importante destacar que será a análise dos investigadores de todas as evidências disponíveis que poderá confirmar as causas do acidente", acrescentou.
A formação de gelo nas asas tornou-se a principal hipótese citada por especialistas na análise preliminar da queda do voo 2283 da Voepass. Isso porque havia alerta para a formação de gelo severo na região do acidente, e o modelo ATR 72-500 trafega justamente na altitude onde a formação de gelo é maior. O acúmulo de gelo no bordo frontal das asas pode alterar a aerodinâmica do voo, fazendo com que o ar passe por cima das asas, e não por baixo.
Uma comparação das imagens de satélite com o trajeto de voo, feita pelo laboratório, mostra que a entrada do avião em áreas que concentravam a formação de gelo coincidiu com os momentos de desaceleração brusca da aeronave. Um mapa elaborado pelo Lapis mostra uma área problemática que se estende da entrada em território paulista até as proximidades da cidade de Vinhedo.
Dados do site FlightAware, que monitora voos em tempo real ao redor do mundo, mostram ao menos dois momentos em que a velocidade da aeronave diminuiu repentinamente. A primeira ocorreu por volta das 12h50. Em questão de dois minutos, o avião passa da velocidade de 621 km/h para 398 km/h, antes de recuperar parte da aceleração.
Segundo Barbosa, esse momento coincide com a entrada em uma área crítica para a formação de gelo. A partir daí, o avião enfrentou fortes rajadas de vento ininterruptas e mudanças abruptas de temperatura -circunstâncias que, diz o professor, também favorecem a formação de gelo na superfície do avião.
Por volta das 13h08, a aeronave entrou novamente em uma área de formação de gelo severo e teve uma nova desaceleração -perdeu mais de 100 km/h em um minuto. Dessa vez, os gráficos mostram que a velocidade média permaneceu mais baixa por vários minutos e, segundo o professor, isso coincide com a travessia de uma grande área propícia à formação de gelo.
Segundo o laboratório, as condições de temperatura e umidade na atmosfera podem ter favorecido a aderência da água à aeronave, facilitando a formação de gelo. Já o ciclone extratropical sobre o Uruguai e o Rio Grande do Sul teria feito com que mais umidade fosse injetada na região de frente fria que o avião atravessou.
Além disso, fumaça de queimadas no pantanal teria se acumulado em altos níveis da atmosfera. A análise do laboratório indica que isso fez cair a temperatura da água acumulada nas nuvens. "Isso tornou a água ainda mais fria e líquida, transformando-a em gelo e possivelmente deixando a aeronave mais pesada", diz um texto publicado pelo Lapis, acrescentando que "esse é apenas um dos cenários de causalidade possíveis, a partir dos dados sobre o voo e sobre a região".
O Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) concluiu na segunda (12) a primeira etapa da investigação em campo e manteve a previsão de divulgar em 30 dias o relatório preliminar do caso. Isso não significa, contudo, que uma resposta definitiva será apresentada neste prazo.
O órgão extraiu 100% dos dados das caixas-pretas da aeronave. Com os primeiras registros, o Cenipa confirmou a ausência de comunicação entre o piloto e a torre de controle. Caberá à investigação descobrir o motivo.
Existem dois gravadores de voo -são as caixas-pretas. Eles têm diferentes funções. O primeiro, identificado pela sigla em inglês CVR (Cockpit Voice Recorder), registra o que foi conversado na cabine. O outro, o FDR (Flight Data Recorder), anota dados do voo, como altitude, meteorologia e velocidade.
O ACIDENTE EM SÃO PAULO
O voo 2283 da Voepass caiu na sexta durante viagem de Cascavel (PR) a Guarulhos (Grande São Paulo), na área de uma casa no condomínio Recanto Florido, no bairro Capela. Imagens feitas por moradores mostram o avião em queda livre, rodopiando levemente, manobra conhecida como "parafuso chato".
A queda matou os 58 passageiros e os quatro tripulantes que estavam a bordo. A aeronave perdeu 3.300 metros de altitude em menos de um minuto a partir das 13h21, segundo o site FlightAware.
De acordo com a Força Aérea Brasileira, o avião deixou de responder às chamadas do Controle de Aproximação de São Paulo às 13h21. O piloto não teria declarado emergência ou reportado estar sob condições meteorológicas adversas.