Morei na Colômbia entre 1975 e 1980. Eu ministrava aulas na cidade de Medellín, e lá tive oportunidade de conhecer várias pessoas interessantes. Uma delas pintava por hobby, como bem ela dizia: "Seu objetivo era sentir-se bem; não queria participar de concursos nem expor suas obras, pois isso a deixaria preocupada". Já a sua amiga tinha o hobby de viajar. As duas chegavam cedo para aulas, e tínhamos a oportunidade de conversar. Elas estavam sempre de alto-astral.
Um dia, a artista plástica disse que sua amiga havia feito uma burrice da qual sempre se arrependia. A outra riu e contou o fato. Quando era solteira, ela foi vizinha do Fernando Botero, o grande pintor colombiano, cujo estilo único é chamado de "boterismo", e consiste em dar volume às figuras. Elas são desproporcionadas se a compararmos com pessoas e objetos reais, mas têm simetria entre elas. Todos os personagens dos quadros são obesos, mulheres, homens, crianças e até os animais, gatos, cavalos e outros.
Pois bem, naquela época o artista era um iniciante. Um dia, falando com Botero na porta da casa, ela comentou que naquela semana era o seu aniversário. Ele, muito generoso, disse que a presentearia com um quadro. Minha aluna, que não gostava dos quadros do novato, desculpou-se alegando que não tinha espaço na sala para colocar o quadro. Botero retrucou que podia colocar em qualquer lugar da casa, mas ela se justificou que tinha falta de espaço e que sua mãe estava pensando em reformar a casa.
– Como eu sou burra! – disse ao terminar a história. Se eu tivesse aceitado esse quadro a que preço poderia vendê-lo agora que ele é famoso?
Essa lição é muito interessante. Nunca sabemos quando um artista triunfará ou desistirá, ficará famoso ou cairá no esquecimento.
Aprendemos uma lição: nunca desprezar a obra de um iniciante, com o tempo ele pode ser um novo Botero.
Isabel Furini é escritora e palestrante. Autora de "O Livro do Escritor" da editora Instituto Memória. Contato:(412) 8813-9276, e-mail: isabelfurini@hotmail.com