Falando de Literatura

O Insaciável - Texto de Ilario Iéteka

18 set 2018 às 23:33

Vida de comerciário não é mole não. Descanso somente nos domingos. Eu como gerente, pegava as 7:00h e só ia para casa depois de sair o último freguês. Sempre tinha um retardatário, que não estava nem aí para o horário. Isso nos deixava irritado. Saiam lá pelas 20:30h, até parecia que éramos obrigados a ficar a seu bel prazer.
O domingo era para ser sagrado para nós, mas como gerente, o diretor achava que éramos obrigados a fazer vitrines neste dia. Dificilmente eu tinha um domingo inteiro para ficar com a família. Num destes dias de nossos descansos, lá pelas 15:00h de sábado, o diretor nos deu uma surpresa nada agradável. A firma comprou mais um ponto de venda, tínhamos que trabalhar no domingo sem recursos, queriam um balanço geral do estoque, para terem certeza que estariam fazendo um bom negócio, com o estabelecimento adquirido.
Convocados oito gerentes, pessoal do recurso humano, vitrinistas, um motorista, mais o pessoal do estoque, por último o gerente geral. Éramos 16 escravos, e horas extras, nem sabíamos o que significava naquela empresa.
Iniciamos o trabalho rigorosamente as 7:00h e poderíamos ir para casa depois de encerrados os trabalhos. Foi um balanço feito nas coxas, como se dizia. A contagem dos produtos sempre a favor da nossa empresa. Trabalhamos sem descanso. Por volta do meio dia, o gerentão nos disse:
_ Pessoal! Vamos almoçar na churrascaria do Gaúcho, lá no Bairro Portão!
Foi uma alegria só e continuou a dizer:
_ Eu posso levar três ou até quatro no meu carro. Os outros vão na Kombi da empresa.
Foi o que fizemos, embora empilhados, colados uns nos outros, como sardinha em lata, chegamos à famosa churrascaria. Nossos lugares estavam reservados e já era próximo das 13:00h. Estávamos varados de tanta fome. Iniciamos pelo Buffet. Cada um servia-se ao gosto. Eu peguei o prato e fui escolhendo o que mais provocava o apetite, sentei ao lado do vitrinista. Este por sua vez fez uma porção meia lua de vários pratos com legumes e verduras a sua frente, na mesa, causando-me estranha impressão. No meio havia um prato extra grande com um morro de alimentos. Sentou-se todo garboso ao meu lado. Fiquei estarrecido com o que vi, um esfomeado, disse-lhe:
- Valmir, você está louco? Onde vai colocar a carne que os garçons irão nos servir?
- Senhor Ilário, capaz...isto aqui é só o aperitivo!

Eu dei risada, pois acreditei que o moço estava brincando. De repente, Valmir pedia um litro de refrigerante somente para ele. Assim começou a devastação. Em poucos minutos, aquilo que estava a sua frente, sumiu! O homem levantou-se e repetiu a segunda dose, para minha surpresa, exatamente igual a primeira, fiquei pasmado com seu ato. Em minha mente, só ficava a indignação de como poderia conseguir comer tudo aquilo? Olhei no relógio, percebi que nós, os outros funcionários, há mais de 15 minutos, tínhamos terminado de almoçar. Porém, continuava firme e forte, Valmir a comer as carnes que passavam.
Certo momento, percebemos que os garçons não passavam mais em nossas mesas e não serviam mais o Valmir. Indignado com o atendimento, furioso, levantava, gesticulava com as mãos, pedindo ainda o rodizio de carnes. Eu continuei sentado do seu lado, comecei a ficar desconfortável com a situação, até que toquei seu braço e pedi para ele encerrar aquela proeza vergonhosa.
_ Valmir! Por favor, nem o motorista que pesa uns 120 quilos comeu assim, e já está na Kombi! Sério, nunca vi uma pessoa com seu tamanho, no máximo com 75 quilos, devorar tanta comida em tão pouco tempo!
Mesmo assim, Valmir, nervoso, desejava mais carne. Então resolvi ir conversar com os garçons e pedir gentilmente um pouco mais de rodizio, porém a receptividade não foi boa:
_ Não!!! É ordem da casa! Se nos basearmos pela reserva, o que os outros funcionários nos deram lucro, perdermos com esse rapaz! Esse esfomeado virou tudo em prejuízo!
Imagina a vergonha, minha cara no chão da churrascaria, agradeci os garçons. Voltei até Valmir e agora era eu que estava furioso, erguendo a voz:
_ Valmir, vamos embora! A turma está preocupada achando que você vai morrer de congestão alimentar!
Já passava 30 minutos do término do almoço dos outros, tentei levantar e forçar a saída e Valmir segurou meu braço e disse:
_ Mas seu Ilario.... por favor, eu não comi a sobremesa!
Eu já me sentia desesperado e respondi:
_ Pelo amor de Deus, pegue essa bendita sobremesa e coma rápido! Você vai ficar sozinho. Te dou 5 minutos para dar fim nessa gula insaciável!
É inacreditável, mas não terminou a vergonha. O prato de sobremesa foi num prato fundo misturada de vários sabores, no mínimo seria por educação, saciar umas 6 pessoas. Ainda em tremenda cara de pau, sobre a mesa havia meia garrafa de cerveja da sobra dos outros funcionários, a qual também mandou para dentro da garganta.
O administrador da empresa antecipou-se e foi embora, ficando a vergonha e o pedido de desculpas para um dos gerentes que ficou com o dinheiro para pagar as despesas.
Na saída, nós fomos obrigados a amparar o barrigudo até a Kombi, parecia que havia uma melancia no abdômen. O infeliz foi deitado na lotação, não conseguia respirar, da quantidade de comida ingerida em tão pouco tempo. A consequência era óbvia, ficou deitado com mal estar por umas duas horas e muita gozação. Eu mesmo não pude evitar:
_ Valmir, quando você querer ir me visitar, pode me ligar antes?
O coitado passando mal, respondeu:
_ Por que seu Ilario?
_ Para eu não estar em casa! Com certeza não vou ter comida suficiente para sustentar a anaconda que vive dentro da tua barriga, porque lombriga não pode ser!
As gargalhadas não cessavam e os apelidos surgiam até o final do balanço.
Todavia o que me impressionou a lembrar desta história realmente é a gula, comer em excesso, usar o termo "insaciável". Devemos prestar a atenção nas pessoas que possuem esse hábito, e na verdade em décadas atrás, brincamos com o fato. Hoje, devemos refletir, sobre o tema.
Um dos prazeres do corpo humano e necessidade básica é a alimentação. Obviamente tornar o momento de alimentação uma experiência agradável, desfrutar do momento de forma saudável e moderada. Ser compulsivo, abusar, comer além da necessidade básica, virá hábito, e é vício. Reflete problema emocional, falta de amor próprio, falta de domínio e pode causar problemas de saúde. É importante ter uma vida equilibrada, não transformar os problemas da vida em abusamos alimentares. É normal comer um pouco mais do que devíamos numa ocasião especial, mas isso não pode virar rotina e além que comer demais também é um desperdício e falta de educação. Corrija-se sempre!

Ilario Iéteka


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