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O abUSO das reticencias - por Robson Lima

19 jan 2017 às 22:17

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Lendo muitos poemas por todo o Brasil, pois eu tenho o vício de comprar livros de poemas de artistas locais em cada cidade que visito, notei algo digno de um breve, mas importante artigo: o abuso no uso das reticências nos textos poéticos. Então, lá vai mais um artigo no intuito de colaborar com a produção poética brasileira, paranaense e curitibana.

O velho jargão e a perigosa armadilha de que em poesia vale tudo muitas vezes leva o autor a se esquecer de que há certas convenções da linguagem que, se subvertidas, devem sê-lo em função de alguma construção estética, do contrário a pretensa subversão se apequena e se transforma em ignomínia. Muitos poetas utilizam as reticências indiscriminadamente por pura falta conhecimento do efeito negativo que elas têm sobre os textos, se mal empregadas, é claro.

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Camilo Castelo Branco em seu clássico romance filosófico intitulado "O Que Fazem Mulheres", publicado em 1858 já ponderava:

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"Há reticências que não dizem nada. A literatura merceeira, para justificar o adjetivo, inventou as carreiras de reticências, as quais correspondem aos pesos roubados da mercearia." (CASTELO BRANCO, 1967, p.89)

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Reparem que Camilo afirma que o uso desmedido de reticências rouba da literatura (mercearia) os pesos (valores). Em outras palavras, o uso desvairado de reticências é pura falta de domínio estético da escritura-obra-de-arte. Há um roubo de literariedade quando há exagero no emprego de um recurso expressivo que subtrai palavras, pois a palavra é a matéria prima da Literatura.


Para se subtrair uma palavra de um poema é preciso calcular o "peso" e o efeito estético dessa subtração. O não dito precisa ser tão calculado quanto o que é dito. A linguagem não representa o real, mas, também, não consegue se distanciar dele. Por isso o desvelo com o não dito, com o silêncio.

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Podemos afirmar que há dois tipos de silêncios: o silêncio que antecede a palavra, o Fiat Lux do processo criativo, e o silêncio que vem após a palavra, aquele que silencia o que vinha sendo dito. Sendo assim, a palavra que procede do silêncio "é um grito: o que todas as convenções sociais nos ensinaram a calar..." (BARTHES, 1986, p.160.). Já o silêncio que procede da palavra é "a fala de um ausente". (FREUD, 1974, p. 110.). Portanto entre o grito e a ausência encontramos as reticências. Apesar de o silêncio ser "necessário à significação" (ORLANDI, 2007, p. 45), é preciso saber calar e saber calar requer o equilíbrio entre o silenciar, o não dizer, o subentender e o sugerir.


Por isso escrever em versos não é fazer Literatura. Para se fazer Literatura é preciso calcular o dito, o não dito e o não dito que, em certa medida, é dito. Dada essa circunstância, os que se intitulam poetas podem espernear o quanto quiserem, mas falar em forma de versos jamais foi e jamais será Literatura Obra de Arte. Ponto final.

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Sendo assim, vamos ao emprego das reticências na poesia. Eu citaria diversos autores para exemplificar o mau uso desse importante recurso linguístico, afinal há um monte de livros escritos em verso sendo despejados pela cidade, mas opto por criar exemplos, de modo a não expor ninguém. Bem, de forma bastante prática e resumida, podemos dizer que, no poema, as reticências podem ser usadas:


a) Para indicar a interrupção de uma ideia:
Exemplo:
Quando você me falou...
Não, esquece.

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b) Para indicar um desvio na linha do pensamento:
Exemplo:
Eu preciso disso...
Tantos anos esperando.


c) Para sugerir a continuidade daquilo que está sendo dito:
Exemplo:
Eu sei que você sabe... Eu não posso confessar tudo.

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d) Para prolongar inflexões exclamativas ou interrogativas:
Exemplo:
A morte não é nada !?...


e) Como recurso melódico para ornamentar uma pausa:
Parece que tudo já passou..., mas o tempo teima em voltar.

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f) Para anteceder uma palavra ou expressão no intuído de destaca-la.
Exemplo:
...O que está me dizendo?


g) E finalmente para marcar inflexões de ordem emocional, tais como hesitação, timidez, dúvida, medo, etc.
Exemplo:
Não sei se devo...
É tarde demais...


Alguns poetas só utilizam as prerrogativas constantes na letra G, mutilando os versos com pausas desnecessárias, que destroem a melodia e inundam a semântica de sentimentalismo de quinta categoria. Reitero que há muitos outros usos das reticências, mas, aqui, utilizei apenas aqueles mais exigidos pelo gênero poema.


Espero que este artigo raro a respeito do tema possa trazer mais segurança a quem se aventurar a utilizar reticências em seus versos. Sempre há os bons profissionais que vão se valer muito do presente artigo para rever sua escrita, seus sons e silêncios. Esses, certamente, pouparão seus leitores dos solavancos quixotescos que o uso desenfreado de reticências pode provocar.
Um abraço a todos, neste caso, sem reticências!


Há um roubo de literariedade quando há exagero no emprego de um recurso expressivo que subtrai palavras, pois a palavra é a matéria prima da Literatura.


Professor Robson Lima


Robson Lima é curitibano, nascido no bairro da Água Verde. É professor de Língua Portuguesa, Literatura, Leitura de Múltiplas Linguagens e um estudioso da poesia paranaense. Autor de livros didáticos, também é Consultor Educacional e Assessor Pedagógico nas áreas de Linguagens e Comunicação, ministrando palestras em todo o território nacional. Poeta, músico, declamador, ator, Crítico Literário e transador de palavras, Robson Lima é um amante dos versos, artes e artemanhas. Autor dos livros Wintervalo (poesia) e Leitura em Movimento: da letra ao letramento. (livro que versa a respeito do aprofundamento da leitura).


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