bobices de Agla
Em 1975, poucas coisas me incomodavam mais do que aquela saia plissada que eu devia usar quase totalmente abaixo do joelho. Além disso, o tecido era um tanto firme demais e a saia,apesar de plissada, não tinha movimento, era dura,aquilo me chateava.
Se bem que meus joelhos eram ossudos, saltados, esquisitos. Eu os queria arredondados, bonitinhos, bem feitos, enfeitando pernas mais grossas. Que nada! Era daquele jeito mesmo, fazer o quê?
Meus cabelos pareciam refletir o que se passavam dentro de mim, eles tinham uma rebeldia intrínseca. Se eu plantasse um ou dois fios num vaso ou num xaxim, o nome seria: 'comigo-ninguém-pode'.
Verdade. Eram o ó.
Mas eu também não cuidava muito deles não. Não havia essas coisas de cuidar demais, produtos e tal. A gente também não tinha dinheiro para tanto, mesmo se houvesse. Soluções paliativas eram a touca [alguém se lembra disso? para alisar, os bobs gigantes que a gente chamava de manilhas da Sanepar [é a empresa de saneamento aqui do Paraná], e as muitas escovadas antes de dormir.
Mesmo assim, continuavam rebeldes. Mas bem que eu gostava deles daquele jeito. Eram a minha cara e, nos anos 80, definitivamente nos acertamos bem. Pude deixá-los enormes, alvoroçados, livres. E aprendi não ligo.
Os dentes. Ah! Os dentes! Dentuça pra valer. E não havia muito como mudar isso - os cinco anos de uso da chupeta [confesso!] haviam causado um estrago perene. Aparelho? Nem pensar!
Gente! Vocês têm ideia do que meu pai pensava sobre essas coisas 'afrescalhadas' e caras? Pois.
O que me salvava talvez fossem os olhos. Tomavam conta do rosto.Chamavam a atenção e, talvez, um ou outro não reparasse mais nos dentes e nas gengivas aparecendo quando eu ria. E eu ria muito! [como sempre!]
E entre coisas e coisinhas, o que mais me incomodava, afinal?
Não sei.
Quem sabe a minha intensidade em relação a meus sentimentos; quem sabe, a liberdade que me era inerente e que chocava e me fazia sentir por vezes uma extraterrestre.
Não. Não era isso.
Creio que o que mais me incomodava era ser água funda a ser bebida sem ser saboreada.
E isso... isso demorou muito tempo para eu entender por quê.
Autora: Aglaé Gil
Aglaé tem formação em Letras com ênfase em Produção de Textos. Nascida em Curitiba, 62 anos, revisa textos literários e acadêmicos há mais de 30 anos e atua como consultora para organização e produção de textos de escritores amadores - locais e de todo o Brasil. Escreve prosa poética, crônicas e contos. Tem um livro publicado: Memórias de uma Fruta Madura, pela Insight Editora de Livros Artesanais, em 2015.