Agora somos reais!
Passamos dia após dia tentando moldar o amanhã. É uma energia imensurável dispensada a se ter algo que pensamos ser o que queremos. Esperamos resultados de tudo o que nem mesmo nos empenhamos. Isso em todas as relações – familiares, de trabalho, afetivas – estamos todo o tempo antecipando algo impossível de se saber, o que nos gera muito sofrimento.
Todo dia há sempre algo que buscamos, como se aquele dia fosse o momento a se resolver toda a existência. Esperamos reconhecimento sem olhar para o momento, o presente. Desejamos estabilidade sem nos concentrarmos no agora. Antecipamos um término sem mesmo ter oferecido nosso melhor no amor. Assim nos transformamos em eternos insatisfeitos.
Esquecemos de viver. Jostein Gaarder diz em seu livro O pássaro raro que somos os primeiros e os últimos, não havendo enigma entre nós, pois o todo é um emaranhado de encontros casuais. Tudo já estava aqui quando chegamos, e permanecerá após partirmos. O eterno, o tempo. Tudo corre da maneira que tem que correr e nunca teremos o poder de dominar o que acontecerá, tampouco forjaremos a resposta futura. Temos apenas a expectativa de esperar aquilo que achamos ser o conveniente.
Essa ânsia de dominar o futuro, de direcionar os acontecimentos, de tentar saber o que vai ou não acontecer nos tornamos prisioneiros. E por não ser o resultado como delimitamos, vivemos a decepção diária de nunca termos o que esperamos.
Viver o agora não se limita em saber onde estamos ou o que queremos. É atravessar o dia em seu avesso, o mais profundo possível. Como as "nuvens atravessam o céu. Como os insetos zunem no ar”. É entregar-se para e na realidade
Agora o mundo é aqui.
Flavia Quintanilha
Flavia Quintanilha é poeta, filósofa e terapeuta pelo Instituto Bach da Inglaterra. Membro colaborador no Instituto de Estudos Filosóficos na Universidade de Coimbra, editora associada na revista Philosophy International Journal.