O vírus Sars-CoV-2 mudou com a variante ômicron, mais transmissível e capaz de escapar parcialmente dos anticorpos produzidos pela vacinação.
Com isso, muitas pessoas passaram a se infectar mesmo vacinadas. Os chamados escapes vacinais já eram conhecidos para outras cepas do vírus de maneira menos frequente, mas agora aparecem em maior número com a nova onda da Covid em todo o mundo.
Felizmente, as vacinas mantêm sua proteção contra casos graves, internações e mortes, e a maioria dos sintomas em pessoas já vacinadas com reforço é leve, sem necessidade de internação.
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Enfermeira prepara dose de vacina da Pfizer contra Covid-19 em Berlim, na Alemanha Michele Tantussi/Reuters ** Porém, em alguns casos, mesmo indivíduos que receberam as três doses se hospitalizam, e por isso as autoridades de saúde e governos avaliam a aplicação de uma quarta dose dos imunizantes.
O primeiro país a adotar uma quarta dose foi Israel, no dia 3 de janeiro. Nos Estados Unidos, ela já é recomendada para pessoas imunossuprimidas acima de 5 anos de idade.
O Ministério da Saúde brasileiro também aprovou a quarta aplicação para pessoas imunossuprimidas acima de 12 anos, como as transplantadas, vivendo com HIV, em tratamento para câncer, que fazem hemodiálise ou que usam medicamentos imunossupressores.
Em 9 de fevereiro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez um anúncio dizendo que toda a população iria receber uma quarta dose no estado, mas voltou atrás e disse que o estado estava, na realidade, avaliando a possibilidade. No mesmo dia, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga disse que ainda não há previsão de quarta dose e que a prioridade é o reforço na população.
O que dizem os estudos sobre a necessidade e eficácia de uma quarta dose?
Até agora, não há evidências suficientes que comprovem a necessidade de uma quarta dose das vacinas de maneira irrestrita.
Em Israel, um estudo com reforço da Pfizer mostrou que há um aumento da quantidade de anticorpos no sangue após a quarta dose semelhante ao observado no pico com a terceira dose, mas o mesmo não preveniu infecções. A pesquisa avaliou 274 profissionais da saúde que receberam três doses de imunizantes de mRNA (Pfizer ou Moderna) mais uma dose de Pfizer.
De acordo com um outro estudo de Israel, a quarta dose da Covid não impediu a infecção por ômicron, mas o período curto de reforço (apenas um mês) pode não ter sido o suficiente para impedir a entrada do vírus.
Por outro lado, a ciência já demonstrou que as vacinas induzem um tipo de resposta protetora celular, que é de memória, respondendo rapidamente quando há contato com o vírus verdadeiro.
"Essa proteção celular, embora não seja medida, ela está lá, então mesmo quando há o decaimento de anticorpos neutralizantes, sabemos que o indivíduo vacinado com três doses está protegido", afirma a imunologista e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Cristina Bonorino.
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Quais países já adotaram uma quarta dose e para quais pessoas ela é indicada?
Até o momento, poucos países incluíram a quarta dose para a sua população. São eles: Israel, para todos os profissionais de saúde e pessoas acima de 60 anos; Canadá, para a população acima de 18 anos três meses após tomar a última injeção; Dinamarca, para os indivíduos com maior risco e acima de 60 anos; o Chile, que começou a vacinar sua população com 55 anos ou mais em fevereiro; e, mais recentemente, a Suécia, para idosos acima de 80 anos, e a Coreia do Sul, para trabalhadores de saúde e pessoas
vulneráveis.
Outros países, como Reino Unido, Estados Unidos e o próprio Brasil recomendam a quarta dose apenas para imunossuprimidos: com mais de 18 anos, no Reino Unido, acima de 5 anos, nos Estados Unidos, e com 12 anos ou mais, no Brasil.
O que sabemos em relação ao perfil de segurança da quarta dose?
De maneira geral, os efeitos adversos que ocorrem com as doses de reforço da vacina são leves, e espera-se que o mesmo seja observado com a aplicação da quarta dose. No estudo de Israel com 274 voluntários,
os principais eventos adversos foram locais (80%), desaparecendo em até dois dias.
Estudos mostram também que a frequência de eventos adversos pós-vacinação diminui com os reforços. Isto não significa que eles devam ser negligenciados, avalia o pediatra e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.
"É importante destacar que com mais de 11 bilhões de doses das vacinas contra Covid aplicadas em todo o mundo, os efeitos colaterais graves são raríssimos. Mas nem por isso devemos deixar de pensar que uma quarta dose deve ser aplicada sem os dados [de segurança], que ainda não conhecemos. Por isso é preciso investigar", afirma.
A eficácia das vacinas diminui com o passar do tempo? O que muda com a variante ômicron?
Os estudos feitos até agora mostram que duas doses das vacinas ou a dose única da Janssen, frente à ômicron, têm eficácia reduzida.
Segundo um levantamento do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a eficácia da dose de reforço cai após quatro meses. Mesmo com a queda, a proteção continua alta, em torno de 78%, diz o órgão.
Já uma pesquisa nacional feita no Reino Unido apontou que, no contexto da ômicron, a dose de reforço proporciona uma proteção 20 vezes maior para hospitalização e óbito comparado a indivíduos com apenas duas doses. O recorte etário foi acima de 50 anos.
"Isso é um dado que mostra que para as pessoas com mais de 50 anos, imediatamente após um reforço, a proteção das vacinas é recuperada de 59% para 95%, ou seja, é fundamental a terceira dose", explica Julio Croda, pesquisador da Fiocruz.
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Recentemente, uma pesquisa indicou que um reforço da Pfizer seis meses depois em pessoas com duas doses de Coronavac recupera a eficácia de 72,5% para 97,3% contra casos graves. A pesquisa não incluiu o período de circulação da ômicron.
Ainda há idosos, principalmente no estado de SP, que foram vacinados com duas doses de Coronavac e um reforço também de Coronavac, para os quais não há dados de proteção após quatro meses.
"Para esse grupo é urgente uma quarta dose, porque eles já têm maior risco e não receberam a proteção de reforço com a Pfizer", afirma a infectologista Rosana Richtmann, que integra o comitê de assessoramento do governo federal para vacinas.
Para ela, a prioridade no momento atual é resgatar as pessoas que já estão aptas para um reforço e não o fizeram.
Croda concorda com a recomendação, mas diz que as campanhas não devem ser excludentes. "Não devemos cair no mesmo erro do passado de achar que é preciso primeiro completar a terceira dose antes de iniciar a quarta, porque os idosos com mais de 80 anos estão em muito alto risco para hospitalizações e óbitos", avalia.
Teremos uma vacinação anual da Covid como é com a gripe ou iremos receber reforços a cada quatro meses?
Ainda não sabemos por quanto tempo a pandemia da Covid irá durar, mas especialistas acreditam que o coronavírus Sars-CoV-2 vai se tornar um vírus endêmico, como o vírus influenza. Cientistas já trabalham, no entanto, para uma vacina combinada da gripe com o coronavírus.
"Precisamos de vacinas melhores e este ano devemos ter novidades, inclusive vacinas que possuem um tempo de duração maior da proteção ou com maior eficácia para neutralização do vírus no nariz, como as vacinas de spray nasal", diz a infectologista e professora da Unicamp Raquel Stucchi.
Até lá, porém, é preciso acelerar a vacinação das pessoas com esquema incompleto, diz Stucchi. "O discurso de muitas pessoas hoje é que não vão tomar o reforço porque a ideia de dar reforços sucessivos causa desconfiança, e precisamos melhorar a comunicação reafirmando a importância das vacinas e, principalmente, da dose de reforço."