A variante do coronavírus epsilon (B.1.427/B.1.429, ou CAL.20C), primeiro identificada no sul da Califórnia (EUA), reduz a ação de anticorpos neutralizantes produzidos após a vacinação com os imunizantes da Pfizer/BioNTech e Moderna.
Não há registro dessa variante no Brasil. O achado foi descrito em artigo publicado na última quinta-feira (1) na prestigiosa revista científica Science.
Além de conseguir diminuir a ligação dos anticorpos induzidos pela vacina, a variante também bloqueia os anticorpos monoclonais, como aqueles que são testados para tratar pacientes graves hospitalizados, e os anticorpos formados após a infecção pela forma original do vírus –ou seja, indivíduos previamente infectados não possuem proteção contra essa linhagem.
Para avaliar a atividade da variante epsilon (B.1.427/B.1.429) contra as vacinas, os pesquisadores avaliaram o soro de 30 indivíduos vacinados com as duas doses das vacinas de mRNA –15 com a Pfizer/BioNTech e 15 com a vacina Moderna.
O sangue dessas pessoas foi coletado de 7 a 27 dias após a segunda dose, quando já é esperada uma alta taxa de anticorpos induzidos pela vacinação no organismo.
Os soros desses indivíduos então foram testados em laboratório contra réplicas artificiais do vírus contendo as mutações presentes na linhagem estudada em comparação à forma ancestral (chamada de tipo selvagem de Wuhan). Esses "falsos vírus" foram formulados contendo duas regiões de interesse do Sars-CoV-2: a proteína S (também chamada de região de domínio de ligação com o receptor, o gancho ou espícula usada pelo vírus para invadir as células) e a proteína N.
A análise com os anticorpos monoclonais mostrou que dos 34 tratamentos utilizados, houve uma redução significativa em 14 deles do poder de bloqueio desses anticorpos, todas ligadas às mutações presentes na região de ligação com o receptor. O coquetel monoclonal Regeneron, cujo uso emergencial foi autorizado pela Anvisa em maio, por outro lado, não sofreu alteração e conseguiu neutralizar a variante in vitro.
Segundo o artigo, a redução da ação desses anticorpos está ligada diretamente à mutação L452R, presente na variante epsilon. A capacidade dessa mutação de bloquear a ação de anticorpos do coronavírus já havia sido descrita em um artigo em abril publicado na revista Cell, que apontava também para uma transmissão 20% maior associada a essa mutação.
De acordo com os autores, a atividade de neutralização de anticorpos, sejam eles produzidos por vacinas ou induzidos por infecção ou, ainda, a partir do tratamento com anticorpos monoclonais, apesar de evidências de ensaios clínicos de reduzir a carga viral e a evolução do quadro clínico da Covid, é uma das formas de combater o vírus.
Por essa razão, mutações nas regiões de ligação desses anticorpos têm sido recorrentes nas diferentes linhagens do vírus que têm surgido no mundo, em parte como forma de uma pressão seletiva do hospedeiro –o vírus busca formas de escapar dessa proteção preexistente.
Esse processo é conhecido como convergência evolutiva. Além da epsilon, as variantes delta (B.1.617.2, ou indiana) e P.4, detectada no interior de São Paulo, também apresentam essa mutação L452R na proteína S, embora tenham origens distintas. Já a variante lambda (C.37, também chamada andina), possui uma forma semelhante dessa mutação, a L452Q.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) caracterizou, até o momento, a epsilon como uma variante de interesse (VOI), indicando que ela deve ser monitorada, embora o Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte-americano a classificou como variante de preocupação (VOC), sigla utilizada para descrever formas do vírus com mutações que são de maior preocupação e que podem causar algum estrago do ponto de vista de saúde pública.
Ainda se sabe pouco sobre a ação de outras vacinas contra essa mutante, mas uma pesquisa conduzida na China também com soro de vacinados com a Coronavac apontou que a vacina manteve o seu poder de neutralização de anticorpos contra a variante epsilon.
Ainda não há ainda dados sobre a capacidade de neutralização ou potencial redução das vacinas da Janssen e Oxford/AstraZeneca frente à variante epsilon.
Outras VOIs segundo a OMS são as variantes lambda (C.37) e zeta (P.2), encontradas em países da América do Sul, inclusive no Brasil (onde se originou a P.2).