Cirurgias endovasculares, operações minimamente invasivas para tratamento de obstruções nos vasos sanguíneos, estão suspensas no Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes com aneurisma cerebral não emergencial. O problema está na redução do valor pago pelo governo para a compra dos materiais necessários para o procedimento.
Apenas casos emergenciais, com liminares judiciais ou pacientes de hospitais que têm o material em estoque estão sendo operados. Casos considerados eletivos, quando não há risco imediato ou sofrimento intenso, estão sendo orientados a esperar por um quadro emergencial ou realizar o tratamento cirúrgico tradicional, com abertura do crânio. No entanto, em algumas situações a técnica não é eficaz nem aconselhada.
O Ministério da Saúde admite "eventuais" problemas na realização do procedimento e justifica que reduziu o valor na tabela do SUS com base em estudos técnicos e econômicos. "Os distribuidores dos produtos assumiram que essa situação não ocorreria", afirma Maria Inez Gadelha, coordenadora de Média e Alta Complexidade, do Departamento de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde.
Aneurisma cerebral é a dilatação anormal de uma artéria do cérebro, que pode se romper e provocar uma hemorragia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o problema afeta até 5% da população.
A cozinheira Emília Alves Soares, de 55 anos, é uma das pacientes que tiveram a cirurgia adiada. Ela estava com a operação marcada para o dia 3 deste mês, no Hospital das Clínicas de São Paulo, mas o procedimento não foi realizado. "O hospital disse que não tinha o material. E não deram previsão de quando serei tratada", afirma.
Aproximadamente 40% dos pacientes não operados morrem quando o aneurisma rompe. Dos sobreviventes, 50% ficam permanentemente incapazes de trabalhar. "Estou entregue à sorte", conta Emília. Ela está com a fala embolada, sente dores de cabeça e formigamento no rosto - reflexos do aneurisma não tratado.
"O próprio médico contou que o SUS cortou a verba e não poderia me operar", diz a costureira Iraci Freire dos Santos, de 47 anos, que tentou ser operada no mês passado no mesmo hospital. Ela descobriu o aneurisma quando se sentiu mal durante o trabalho. Foi internada em 2009, mas os médicos descartaram a operação na época. O quadro piorou e agora ela sente formigamento no rosto, dores e tem dificuldades para falar.
O Hospital das Clínicas afirma que não há falta de material, mas que prioriza os casos de emergência - por isso, algumas cirurgias estão sendo adiadas. O hospital afirma que vai remarcar as cirurgias canceladas.
Impasse
O problema com o material começou em dezembro, quando o Ministério da Saúde reduziu de R$ 2.230 para R$ 1.100 o valor pago pelos espirais de platina destacáveis, necessários para as operações. Hoje, o valor está em R$ 1.350.
Há três meses, quando os estoques das espirais começaram a acabar nos hospitais, o corte no valor pago pelo produto começou a comprometer o atendimento aos pacientes, segundo a Sociedade Brasileira de Neurorradiologia Diagnóstica e Terapêutica (SBNRDT). De acordo com Paulo Eloy de Passos Filho, presidente da SBNRDT, a decisão do ministério foi feita sem planejamento. "O governo tomou a decisão de reduzir o preço sem consultar ninguém."
Alexander Moreira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores ou Importadores de Material Médico de Alta Complexidade, explica que alguns hospitais ainda têm o produto em consignação. "Por contrato, não podemos retirá-los." Ele afirma que, enquanto não houver reajuste no valor, não será possível importar o material. Em média, o insumo é vendido por US$ 500 nos Estados Unidos.