O Ministério da Saúde afirma que o crescimento dos casos em 2021 era imprevisível até o ano passado, mesmo sem vacinas e com alertas de que a pandemia de Covid-19 geraria uma nova onda de contágio no Brasil. Agora, com mais de mil mortes por dia há praticamente um mês, a pasta pede com urgência a liberação de recursos fora do teto de gastos.
O pedido por verbas foi feito em 29 de janeiro e argumenta que o avanço da Covid neste ano era incerto, de acordo com solicitação à qual a Folha de S.Paulo teve acesso. A pasta comandada por Eduardo Pazuello pede créditos extraordinários, que ficam fora do Orçamento tradicional e fora da regra do teto (que barra o crescimento real das despesas da União).
A Constituição só permite o crédito extraordinário em casos urgentes e imprevisíveis e, como a pandemia chegou ao Brasil há quase um ano, não há consenso entre especialistas sobre o uso do argumento neste ano. O pedido passa por avaliações jurídicas internas para respaldar a visão do Ministério nesse e em outros pontos.
Para pedir os recursos fora do Orçamento, a pasta de Pazuello defende a imprevisibilidade baseada em dois argumentos. Um deles é que a doença arrefeceria porque havia "perspectiva da imunização".
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Apesar de mencionar tal expectativa, nenhuma vacina havia sido liberada até o fim do ano pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). As aplicações de CoronaVac só começaram em 17 de janeiro e as do imunizante da Oxford/Astrazeneca, em 23 de janeiro. Até agora, menos de 3% da população recebeu alguma dose.
A Saúde também diz em seu pedido que o agravamento da pandemia em 2021 não era uma certeza porque o número de mortes estava caindo no segundo semestre de 2020.
"A situação epidemiológica atualmente verificada não era certa em meados de 2020, quando da elaboração da proposta orçamentária em tramitação no Congresso Nacional, como indica a própria redução do numero de casos e mortes no decorrer do segundo semestre de 2020, além da perspectiva da imunização", afirma a pasta no documento.
A Covid estava em queda de julho a novembro, mas passou a subir novamente depois disso e chegou ao fim de dezembro com mais de 700 mortes, patamar similar ao observado em meados de maio –mês que antecedeu o platô de mil mortes diárias no ano passado.
Àquela altura, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já alertava há meses sobre as novas ondas de Covid-19. Pelo menos desde abril a entidade mencionava a expectativa de novos impulsos no contágio, situação vivida no segundo semestre também por países como Alemanha, Itália, Portugal e Reino Unido.
Um parecer do time da AGU (Advocacia-Geral da União) que trabalha no Ministério da Saúde respaldou o pedido da pasta ao afirmar recentemente que "parecem estar presentes" os requisitos constitucionais para o credito extraordinario, considerando relevancia, urgencia e imprevisibilidade.
Mas a avaliação ainda está sendo aprofundada pelo Ministério da Economia para verificar a viabilidade da medida de acordo com as regras fiscais vigentes. A equipe econômica e o Congresso trabalham em uma cláusula de calamidade pública que flexibilizaria as normas e abriria a possibilidade de gastos neste ano.
Na equipe econômica, o pedido do Ministério da Saúde foi recebido com recomendação de cautela principalmente porque não está em vigor o estado de calamidade pública -o que demanda o cumprimento integral das regras fiscais.
Mesmo que o caso seja considerado de imprevisibilidade e os créditos sejam liberados -ficando, portanto, fora do teto-, o governo ainda tem duas grandes normas a obedecer nesse caso.
Uma delas é a meta de resultado primário (receitas menos despesas), que está definida em 2021 em um déficit de R$ 247 bilhões. A outra é a regra de ouro das contas públicas, que busca impedir endividamento para pagar despesas correntes e já está no limite.
A Saúde pediu inicialmente R$ 5,2 bilhões para enfrentar seis meses de pandemia e destinar a verba para leitos de UTI, pagamento de médicos e residentes, testes e outros itens. Segundo a pasta, os recursos são necessários porque suas verbas do Orçamento de 2021 já estão comprometidas com medidas habituais, como a manutenção do SUS (Sistema Único de Saúde).
Enquanto isso, o Orçamento de 2021 segue estacionado no Congresso, sem modificação de valores, desde abril do ano passado -quando foi enviado pelo Executivo. Desde então, a equipe econômica defendia a aprovação de propostas que cortavam outras despesas para liberar espaço orçamentário -o que até agora não foi adiante.
Sem revisão de gastos, governo e parlamentares falam publicamente sobre a flexibilização de regras fiscais para liberar despesas -destravando os créditos extraordinários e liberando verbas fora do teto para enfrentar a pandemia e suas consequências.
A pressão por mais gastos vem tanto do Congresso como dos governadores. "A pandemia não cessou e seguiremos enfrentando até final do ano a coexistência de diversas ondas dessa crise de saúde ocorrendo de maneira assimétrica e diversas regiões do Brasil", afirmam os secretários estaduais de Fazenda em carta aos ministérios da Saúde e da Economia divulgada na última quinta-feira (18).
"Os efeitos da vacinação somente deverão repercutir em queda sustentada [...] a partir do segundo semestre. Urge um imediato aporte de novo orçamento de auxílio aos estados", escrevem os secretários.