O risco de morrer após uma parada cardíaca, dentro ou fora do hospital, pode ser até quatro vezes maior em pacientes com Covid-19. Para as mulheres, esse risco pode chegar a nove vezes.
Esses são alguns dos resultados apontados em um novo estudo conduzido por pesquisadores da Suécia e publicado na revista European Heart Journal, nesta quinta-feira (4).
A pesquisa avaliou os registros de paradas cardíacas entre os dias 1º de janeiro de 2020 e 20 de julho de 2020. Os dados incluíam tanto infartos sofridos em casa quanto os que ocorreram dentro do ambiente hospitalar.
No início da pandemia, alguns estudos já sugeriram que a alta incidência de infartos poderia estar relacionada à Covid. Em alguns dos lugares mais afetados pela pandemia, como o norte da Itália, dados de março já apontavam para um aumento de até 187% para infartos em casa.
O novo estudo, no entanto, é o mais detalhado em relação às formas e efeitos dos infartos sofridos antes e durante a pandemia, assim como dentro e fora de hospitais. Foram avaliados 3.044 casos de paradas cardíacas, sendo 1.964 fora de hospitais e 1.080 que ocorreram em ambiente hospitalar.
Para avaliar os efeitos da Covid-19 nessas paradas do coração, os pesquisadores dividiram os registros em dois grupos: um pré-pandemia, formado pelos casos de 1º de janeiro até 16 de março de 2020 –quando o governo sueco decretou o início da pandemia no país– e de 16 de março em diante.
Os registros também foram divididos em paradas cardíacas fora de hospitais (OHCA, na sigla em inglês) e paradas cardíacas dentro de hospitais (IHCA, na sigla em inglês). Do total de casos OHCA, 88 (10%) eram de pacientes confirmados com Covid-19, e nos casos IHCA, 72 (16%) pacientes foram acometidos pela doença.
No caso dos pacientes que tiveram infartos fora do hospital, o risco de morte após 30 dias do evento foi quase quatro vezes maior do que no período pré-pandemia. Já os casos que ocorreram dentro de hospitais tiveram aumento de letalidade em 2,3 vezes.
Houve diferença significativa quando considerado o sexo do paciente. Homens que sofreram ataques cardíacos em casa tiveram risco de morte 4,5 vezes maior, enquanto foi o triplo para mulheres. Já dentro de unidades hospitalares, o risco de morte após parada cardíaca no caso dos homens foi 50% maior, mas mais de nove vezes para as mulheres.
A maior diferença, no entanto, foi no chamado desfecho de sobrevida: 83,4% dos pacientes que tiveram paradas cardíacas em casa e tiveram diagnóstico confirmado de Covid-19 morreram em menos de 24 horas. Antes da pandemia, 7,6% dos pacientes sobreviveram após 30 dias do evento.
Para aqueles que sofreram a parada nos hospitais, 23,1% dos pacientes com Covid-19 sobreviveram após 30 dias do infarto, comparado a 36,4% dos pacientes pré-pandemia. Mais de 60% dos pacientes com o vírus morreram em 24 horas.
De forma geral, frente a um quadro de parada cardíaca, existem alguns procedimentos adotados que podem ajudar a impedir um quadro letal, como massagem cardiorrespiratória, uso de desfibriladores, injeções de adrenalina ou, em casos mais sérios, intervenções cirúrgicas para implante de stents.
Em alguns casos, quando a parada cardíaca acontece em casa, a demora para chegar ao hospital e receber atendimento médico pode ser fatal. Os pesquisadores consideraram também o tempo de ocorrência do infarto até o atendimento.
Como resultado, nenhum dos casos de infartos sofridos fora dos hospitais de pacientes com Covid-19 sobreviveu após hospitalização, enquanto 36% dos casos que ocorreram no hospital tiveram alta após a parada cardíaca.
É difícil estimar do total de paradas cardíacas relacionadas aos efeitos da Covid-19 ou aquelas que seriam decorrentes de outros problemas secundários, mas a influência da infecção no sucesso de sobrevida ou não é evidente, diz Pedram Sultanian, aluno de doutorado na Universidade de Gothenburg (Suécia) e primeiro autor do estudo.
"Nosso estudo mostra claramente que infartos e Covid-19 são uma combinação letal. Pacientes com Covid devem ser monitorados intensivamente, e medidas para prevenir paradas cardíacas devem ser tomadas, como por exemplo o uso contínuo de monitores cardíacos nesses pacientes de alto risco."
Como os pacientes com Covid-19 sofrem com falta de ar, uma das possíveis causas associadas com a alta mortalidade fora do ambiente hospitalar é o tratamento por massagem cardíaca simples, sem ventilação acessória (que pode ser o famoso "boca a boca", se ocorrer fora de uma ambulância, ou o uso de balões de oxigênio nesses transportes).
"Embora a literatura mostre que a aplicação de massagem cardíaca simples por pessoas não-especialistas pode ser tão efetiva para a sobrevivência quanto a massagem associada à ventilação, isso parece não se aplicar para os casos de pacientes com Covid-19, uma vez que o principal sintoma apresentado por eles é a falência respiratória", diz o artigo.
O estudo, porém, possui algumas limitações. Os dados se referem somente à região de Estocolmo (Suécia). O país, embora tenha sido um dos que sofreram com a pandemia, foi o único no continente europeu que não adotou um lockdown ou medidas mais duras contra a pandemia. As autoridades entenderam que seria melhor "deixar a pandemia rolar solta", com a economia aberta, para atingir a chamada "imunidade de rebanho".
Após diversas críticas, inclusive tendo em base a alta taxa de mortalidade por 100 mil habitantes (118,2, até o último dia 3 de fevereiro; no Brasil a taxa é de 107,2), o governo voltou atrás, mas já era tarde. Houve relatos de idosos morrendo em casa por não terem leitos nos hospitais.
O fato de os ataques cardíacos terem ocorrido em casa pode indicar que, mesmo sem as medidas restritivas, parte da população fez algum tipo de distanciamento social.
Mas podem, também, indicar um sistema de saúde pressionado e sem capacidade de assistência para esses pacientes, possivelmente evidenciado pelo fato que, até o momento de conclusão do estudo (em julho de 2020), nenhum paciente com Covid-19 que sofreu ataque cardíaco em casa sobreviveu.