Entrou em vigor nesta segunda-feira (6), no SUS (Sistema Único de Saúde), a versão ampliada do teste do pezinho, que aumenta o número de doenças que podem ser detectadas nos primeiros dias de vida da criança. Atualmente, a versão ampliada está disponível apenas na rede particular de saúde do país.
Na segunda (06), foi comemorado o Dia Nacional do Teste do Pezinho, data que tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância do exame. O médico geneticista Roberto Giugliani, professor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, disse que este é um grande passo, por ampliar de seis para cerca de 60 o número de doenças que podem ser detectadas pelo teste, como já ocorre nos países mais avançados.
Giugliani disse à Agência Brasil que o teste do pezinho pode detectar precocemente doenças para as quais existe tratamento, que, entretanto, não pode ser iniciado enquanto não se tem o diagnóstico. As manifestações da doença, quando não têm diagnóstico, podem demorar algumas semanas ou meses e, quando esta já estiver instalada, pode já ser tarde para obter os melhores resultados no tratamento. A detecção precoce dá melhores benefícios ao paciente, ressaltou o professor.
Ele destacou que o número de doenças que podem se beneficiar do teste do pezinho vai aumentando, na medida em que mais exames podem ser feitos a partir das gotinhas de sangue colhidas dos recém-nascidos. E mais doenças podem ser tratadas por terapias que estão sendo desenvolvidas. “É algo muito positivo”, reforçou Giugliani. “Necessariamente, o teste tem que ganhar maior abrangência.”
A ampliação do teste ocorrerá de forma escalonada e caberá ao Ministério da Saúde estabelecer os prazos para implementação de cada etapa do processo. Na primeira etapa, está prevista a adição da toxoplasmose congênita às seis doenças hoje detectadas. Na segunda etapa, serão incluídas a galactosemia, as aminoacidopatias, os distúrbios do ciclo de ureia e os da betaoxidação de ácidos graxos.
Na terceira etapa, entram as doenças lisossômicas de depósito, que incluem as MPS (mucopolissacaridoses) e, na quarta, problemas genéticos no sistema imunológico. A quinta e última etapa incluirá a atrofia medular espinhal. Isso significa que ainda levará alguns anos até que o exame ganhe abrangência nacional no sistema público.
Desafios
Segundo Giugliani, existem dificuldades técnicas para a implementação da Lei do Teste do Pezinho Ampliado (Lei nº 14.154), publicada em 27 de maio de 2021. Ele disse que não há problema quanto à coleta da amostra de sangue, mas ressaltou que os laboratórios estaduais e municipais precisam estar capacitados em termos de equipamentos e de treinamento de pessoal para fazer o diagnóstico das doenças que serão incorporadas ao exame. “Este é um dos desafios para implantar a ampliação do teste nacionalmente”, afirmou o médico, que destacou ainda a necessidade de protocolos muito claros do que será feito com os testes positivos, com os pacientes que necessitarão de tratamento e onde será o tratamento.
De acordo com artigo do médico Marcelo Ferraz de Oliveira Souto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulado Triagem Neonatal/Teste do Pezinho no Brasil e no Mundo, alguns estados e municípios adotaram medidas próprias para ampliar a triagem neonatal, usando o orçamento público local.
O Distrito Federal foi pioneiro na área, com a Lei Distrital nº 4.190, de 6 de agosto de 2008, que acrescentou ao exame doenças como galactosemia, toxoplasmose congênita, deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase e leucinose. Mais recentemente, foram incluídas a imunodeficiência combinada grave e doenças lisossômicas. Foram aprovadas leis semelhantes na capital de São Paulo, na Paraíba, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, todas sancionadas a partir de 2019, informou Souto.
Além disso, a cobertura da triagem neonatal convencional ainda não é satisfatória em muitas regiões, seja pela falta de ferramentas que compõem o sistema, seja por fatores socioeconômicos e culturais. Conforme dados do SUS, estados das regiões Norte, Sul e Nordeste têm menor percentual de recém-nascidos participantes do programa, abaixo de 40% de cobertura.
Atenção
Giugliani observou que, além de fazer o teste do pezinho nos bebês, os pais precisam ficar atentos a sinais de alerta. Nem todas as doenças genéticas apresentam sintomas antes de causar grandes e irreversíveis danos à saúde da criança, mas há indicadores que pedem avaliação mais profunda.
O geneticista chamou a atenção, em especial, para sinais de mucopolissacaridose do tipo 1 e 2, principalmente quando aparecem combinados, ao mesmo tempo, como deficiências respiratória e auditiva, aparecimento de hérnia, por exemplo. Nesse caso, é necessário buscar um médico para uma avaliação adicional. Quando os sinais surgem combinados, deve-se suspeitar de alguma doença e levar a criança ao pediatra, para que tenha o encaminhamento devido. “É sempre um benefício, em relação a detectar mais tarde.”
Estudos mostram que o resultado do tratamento de MPS é bem melhor quando começa a ser feito nos primeiros meses de vida. “Esta é a razão pela qual os MPS já foram incluídos no teste do pezinho nos Estados Unidos, pela vantagem de ter um diagnóstico precoce, porque já existe um método que vai permitir iniciar o tratamento mais cedo, com maiores benefícios”, afirmou.
A ampliação do alcance do teste do pezinho não cria casos novos, apenas apresenta o diagnóstico mais precoce, o que proporciona melhores resultados no tratamento.
Anvisa
Para Giugliani, um tratamento capaz de agir em todas as partes do corpo, incluindo o sistema nervoso, será capaz de atender a todos os pacientes e mudará o curso de muitos dos que têm mucopolissacaridoses. Esse tratamento precisa ultrapassar a barreira que separa o sangue do cérebro, algo que as medicações atuais não fazem.
O geneticista conduz estudos clínicos sobre MPS 1 e 2 no Brasil com a primeira terapia de reposição enzimática que, embora administrada no sangue, é capaz de chegar ao cérebro. Tal terapia já está aprovada no Japão e está em análise pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Giugliani explicou que foi feita uma modificação na enzima, permitindo que esta cruze as barreiras que separam o sangue do cérebro. Assim, mesmo administrada na veia, ela chega ao cérebro. “É o mesmo tipo de tratamento de infusão na veia, com a vantagem de conseguir chegar ao cérebro. Para ter sucesso, esse tipo de tratamento deve ser adotado o mais cedo possível.”