Não apenas um relato da trajetória do cientista Carlos Chagas Filho (1910-2000), mas uma reflexão sobre a sociedade brasileira em um período decisivo para a história do país, da ciência e da saúde. Assim é o livro Carlos Chagas Filho: cientista brasileiro, profissão esperança, fotobiografia produzida pelas historiadoras Nara Azevedo e Ana Luce Girão Soares de Lima, pesquisadoras da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Lançamento da Editora Fiocruz, o livro, com edição bilíngue (português e inglês), revela como a vida do cientista combinava ciências e humanidades – não por acaso foi eleito tanto para a Academia Nacional de Medicina, em 1959, quanto para a Academia Brasileira de Letras, em 1974. Mostra também como sua obra contribuiu decisivamente para projetar o Brasil no plano internacional e para conciliar ciência e religião.
Produzida no âmbito das comemorações do centenário de nascimento de Chagas Filho, a publicação revela um homem inovador em vários aspectos, que instituiu a biofísica como campo de pesquisas no Brasil e colocou a profissão de cientista em novos moldes no país. Imagens e documentos apresentam sua trajetória desde a infância – quando, ainda garoto, frequentava o Castelo do Instituto Oswaldo Cruz – até o reconhecimento dentro e fora do Brasil, materializado em medalhas, diplomas e outras condecorações. Os temas em destaque incluem, ainda, a formação médica e científica; a construção do Laboratório de Biofísica e sua transformação em Instituto de Biofísica (atual Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ); a atuação em organismos intergovernamentais e instituições acadêmicas internacionais; e a relação com intelectuais e artistas brasileiros.
"Não seria exagero afirmar que Chagas Filho conseguiu realizar uma notável façanha: sua atuação contribuiu para criar as condições que deram estabilidade às instituições científicas brasileiras a partir dos anos 1950, de que é emblemática o instituto que criou", afirmam as autoras na apresentação do livro, onde definem o cientista como um "institucional builder afinado com os rumos dos acontecimentos de seu tempo". Na carreira científica, Chagas Filho aprofundou uma tendência em voga a partir dos anos 1930, quando análises inovadoras dos fenômenos da vida se debruçavam sobre a dimensão físico-química das interações celulares. Já no campo político-científico, teve papel central na transição do modelo de fomento à pesquisa, que passou do mecenato científico para um padrão apoiado em recursos estatais e ancorado no ambiente universitário em construção. "Essas foram as condições que, a longo prazo, propiciaram o desenvolvimento de novas formas de profissionalização da atividade científica no país", explicam Nara e Ana Luce.
Como demonstram as autoras, Chagas Filho não se limitou ao laboratório nem à administração. Dedicou-se à reflexão intelectual sobre ciência, política e cultura. Em um momento singular da história, o pós-Segunda Guerra Mundial, registrou suas angústias, mas também suas esperanças de que "a ciência constituísse um instrumento para a construção de um futuro com paz e desenvolvimento social". É com base nesse espírito que se desenvolve a trama da fotobiografia de Chagas Filho. No livro, o leitor encontrará desde pequenas curiosidades, como um bilhete escrito por ele para os pais, aos 8 anos de idade, durante férias na fazenda, até sua solicitação de matrícula no Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz, em 1932; desde fotos com os pais, a esposa, as filhas e os netos até imagens da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, também "em família" – em um registro de 1930, por exemplo, vê-se Carlos Chagas Filho em uma aula ministrada pelo pai, Carlos Chagas, no Pavilhão de Doenças Tropicais.
Exemplos da documentação reunida no livro incluem equipamentos científicos construídos por Chagas Filho; sua posse na cátedra de física biológica da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, em 1937; sua atuação como secretário-geral da 1ª Conferência das Nações Unidas para Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento, em Genebra, em 1963; correspondências diversas; diário de atividades no laboratório; e a repercussão na imprensa de seu trabalho.
Entre as muitas matérias jornalísticas reproduzidas, encontra-se a notícia Papa nomeia Carlos Chagas, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1972 e relativa à nomeação do cientista para a presidência da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, cargo que ocupou durante 16 anos e à frente do qual apresentou, em 1982, a Declaração de Prevenção da Guerra Nuclear – fotos de Chagas Filho ao lado dos papas Paulo VI e João Paulo II também ilustram o livro. Outra notícia em destaque é A fogueira da verdade, publicada no jornal O Globo, em 1993. O texto conta que João Paulo II retirara a marca de herege que Galileu Galilei havia carregado por mais de 350 anos – 18 anos antes, foi Chagas Filho quem solicitara ao papa e desenvolvera a revisão do processo de Galileu.
Porém, talvez o texto de jornal mais significativo reproduzido no livro seja o artigo assinado pelo próprio Chagas Filho em um caderno especial do Jornal do Brasil, em 1989. "Tenho me perguntado frequentemente: devo aconselhar aos jovens candidatos à carreira científica que dela desistam? Minha resposta é sempre negativa, pois acredito em meu país. Vão para a frente tendo a fortalecê-los apenas o novo nome que se deve dar, no Brasil, à profissão de cientista: ESPERANÇA", conclui o cientista no artigo, que, não por acaso, serviu de inspiração para o título do livro.
Serviço
Livro: Carlos Chagas Filho: cientista brasileiro, profissão esperança
Autoras: Nara Azevedo e Ana Luce Girão Soares de Lima
Páginas: 296
Preço: R$ 70
Editora Fiocruz
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