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Biossegurança

Laboratório na África do Sul abriga amostras de Ebola e outros vírus letais

Ana Bottallo - Folhapress
04 ago 2024 às 18:56

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- Reprodução/Centro de Doenças Zoonóticas e Parasitárias Emergentes
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Imagine um espaço onde são guardadas centenas, até milhares, de amostras de vírus altamente letais. Qualquer descuido pode gerar um acidente fatal. O controle rigoroso de quem entra e de quem sai e estruturas especiais de contenção do ar contaminado são necessários para evitar os chamados vazamentos.


Alguns vazamentos já aconteceram na história, a exemplo de um em 1977. Naquele ano, uma cepa altamente transmissível de influenza H1N1 que estava sendo estudada para o chamado ganho de função escapou e provocou vários casos de doença respiratória em humanos.

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Por isso mesmo, a segurança em laboratórios que trabalham com vírus, bactérias e outros patógenos capazes de provocar surtos em humanos deve ser reforçada. Os laboratórios de microbiologia e parasitologia são classificados conforme o nível de segurança biológica, sendo quatro o último e mais seguro deles.

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O Instituto Nacional de Doenças Comunicáveis (Nicd, em inglês), em Joanesburgo, na África do Sul, abriga o único laboratório de biossegurança quatro em todo o continente africano.

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Fundado em 1979 e o segundo do mundo criado na categoria de biossegurança nível quatro, o Laboratório de Virologia do Centro de Estudos em Doenças Zoonóticas e Parasitárias Emergentes, ligado ao Nicd, tem um papel fundamental para conduzir pesquisas com patógenos já erradicados ou ainda circulantes, explica Jacqueline Weyra, diretora do centro.


"Atualmente, por exemplo, a divisão está trabalhando no surto de Mpox, que não é uma virose endêmica, então está na categoria de emergente. Zoonótico significa doenças que são transmitidas entre animais e humanos, como é o caso das arboviroses [entre as quais dengue e febre amarela] e doenças transmitidas por carrapatos. Já parasitários se referem principalmente à malária, e também temos um programa para combater a resistência do parasito", afirma.

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Lá, amostras de vírus da febre do Nilo ocidental, vírus Lassa (da família Arenaviridae) e Ebola são armazenadas e podem ajudar em uma resposta rápida frente a novos surtos, como o que ocorreu recentemente na República Democrática do Congo e em Uganda.


"Um dos vírus que temos é da febre bovina, que foi erradicada, mas pode voltar. Outros são febres hemorrágicas com letalidade elevada [80%]. Por isso é fundamental ter a segurança máxima", diz.

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A principal diferença entre um laboratório de nível três -equipado com um sistema de controle para evitar contaminação tanto do que vem de fora para as amostras em estudo quanto dos profissionais trabalhando, para evitar surtos de doença- para o de nível quatro é que os funcionários contam com uma fonte externa de ar, para evitar respirar o ar potencialmente contaminado.


Os cientistas do laboratório de virologia utilizam roupas protetoras especiais e são treinados para evitar acidentes laboratoriais com vírus altamente patogênicos Reprodução/Centro de Doenças Zoonóticas e Parasitárias Emergentes "O vírus Ebola precisa ser contido em um laboratório de nível quatro. Se você tiver uma estrutura inferior [como o nível três, muito utilizado para coronavírus e outros vírus respiratórios], pode ter problemas com as agências internacionais de controle", brinca ela.

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Ao entrarem no local, os trabalhadores usam um EPI (equipamento de proteção individual) semelhante ao que era indicado para os profissionais da saúde durante a pandemia de Covid: macacão, máscara, luvas, touca e óculos) acrescido de uma roupa especial conectada com um duto de ar e semelhante à de astronautas.


"Você fica parecendo o boneco 'Michelin', porque a roupa infla, ela precisa ter pressão positiva. Essa é a principal diferença", diz Edison Durigon, professor do departamento de microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

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"No nível três, o pesquisador pode trabalhar respirando o ar do laboratório. No quatro, não. É como se fosse uma concha", continua o docente. "Existem dutos para saída do ar para uma outra câmara, impedindo a contaminação com os outros laboratórios. No processo de limpeza depois do nível três, o pesquisador retira o EPI e toma uma ducha para trocar de roupa. Já no quatro ele recebe um ácido [hipoclorito a 5%] na roupa por cinco minutos, depois ele sai e toma uma ducha e só então ele pode remover o EPI. É uma camada a mais de proteção."


Há hoje uma concentração desses estabelecimentos no Hemisfério Norte, afirma Durigon. "O Brasil não dispõe de um laboratório de nível quatro. Na verdade, a América Latina inteira carece de um, não temos nenhum no Brasil, nem no México, nem em outro lugar. Os custos de laboratórios como esses são muito elevados, e essa é uma das razões por que países pobres não têm."

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Durigon criou o primeiro laboratório de nível três no país em 2017, acoplado ao seu departamento em São Paulo, com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Na pandemia de Covid, o centro alcançou protagonismo ao isolar o vírus e criar exames de diagnóstico para a doença.


Isso pode mudar, já que há planos do governo brasileiro de construir o único laboratório de nível quatro acoplado a um acelerador de partículas do mundo. Batizado de Orion, o projeto é ligado ao CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais), em Campinas (SP), e tem apoio principalmente do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.


No começo de julho deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou um aporte de R$ 1 bilhão para a obra até 2026. Mas recentemente o governo anunciou uma série de congelamentos de gastos.


Procurada, a assessoria do CNPEM disse que o Orion é financiado com recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e que desconhece informações sobre contingenciamento.


O professor do ICB afirma que o custo para erguer um laboratório desse tipo é alto. "Se para construir um laboratório nível três são necessários cerca de R$ 6 milhões a R$ 10 milhões por metro quadrado, no nível quatro esse custo sobe para R$ 300 milhões a R$ 600 milhões pelo mesmo espaço, e o orçamento total é de R$ 1 bilhão."


Segundo ele, se o país deseja se inserir como um local estratégico para pesquisas de vírus e doenças emergentes nos próximos anos, é preciso investir em novos espaços de segurança máxima. "O ideal é que tivesse, no mínimo, um por região, mas idealmente, pensando na dimensão continental do Brasil, o Sudeste, por ser uma área densamente populosa e por abrigar as maiores universidades e instituições do país, poderia ter três."


A jornalista viajou para a África do Sul pelo ICFJ (International Center for Journalists) através do edital de Inovação em Saúde.

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