“Sou outra pessoa agora e todo mundo tem percebido isso. Meu dia a dia mudou em tudo. Eu me esquecia de coisas básicas, saía de casa para ir a um lugar e parava em outro totalmente diferente. Agora não, eu vou e volto, durmo bem, acordo mais disposto e faço meu chimarrão”.
A mudança na rotina que o agricultor Delci Ruver, 78, vem experimentando nos últimos anos é como um recomeço de vida para ele e para a esposa Maria Ruth Gayer Ruver, 77. Eles moram em uma área rural de Planalto, no Sudoeste do Paraná, e relatam o quanto Ruver foi demandando uma atenção especial após o diagnóstico da doença de Alzheimer.
“Era complicado deixá-lo sozinho. Passei a dormir só depois que ele se deitava por medo de ele esquecer o fogão ligado ou sair de casa. Ele esquecia a porteira aberta e não podia mais ficar perto do açude pelo risco de algum acidente. Agora ele já percebe detalhes importantes e dá para levarmos uma vida mais tranquila”, comenta a companheira.
Leia mais:
Estados brasileiros registram falta ou abastecimento irregular de, ao menos, 12 tipos de vacinas
Saúde do homem é tema de live com médicos londrinenses em novembro
Diabetes atinge mais de 36 mil londrinenses
Atendimento a dependentes de apostas cresce sete vezes no SUS, com alta entre mulheres
Com essa retomada da qualidade de vida, a história de Ruver se tornou conhecida recentemente pelo fato de ele ter participado de um estudo pioneiro no Brasil sobre o uso de óleo da cannabis em pessoas com Alzheimer.
Diferente de outras pesquisas que vêm sendo conduzidas em todo o País, o estudo da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu (Oeste), avalia os efeitos do uso diário de um extrato composto por THC (Tetrahidrocanabinol) e CBD (Canabidiol).
Para ter acesso aos extratos da cannabis, os pesquisadores contam com a Abrace (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança), organização sem fins lucrativos, conhecida como a primeira instituição do Brasil autorizada pela Justiça a cultivar a maconha para fins medicinais.
HUMOR E MEMÓRIA
Os resultados após 22 meses de acompanhamento mostraram que Ruver teve uma reversão dos sintomas com melhoras no humor, sono e memória, além da doença se manter estável. “A doença de Alzheimer evolui muito rápido. Em aproximadamente cinco anos após o diagnóstico, o paciente tem perda cognitiva significativa. Esse é um dado importante porque nenhum medicamento convencional disponível hoje é capaz de barrar a progressão da doença, além do fato de não promover uma recuperação da autonomia como observamos nesse paciente”, diz a farmacêutica Ana Carolina Ruver Martins.
Ela é neta de Ruver e iniciou os estudos com canabinoides (compostos derivados da cannabis) em pacientes com doença de Parkinson. “Mas diante da progressão rápida da doença no meu avô, me juntei a outros pesquisadores e ao neurologista Elton Gomes da Silva para montar um protocolo de pesquisa com o objetivo de avaliar os efeitos do tratamento para pessoas com Alzheimer”, comenta.
Os estudos começaram no final de 2017, quando Ruver já apresentava o grau moderado de Alzheimer. Ele passou a fazer uso diário de 500 microgramas de extrato da cannabis, preparada com uma maior concentração de THC. Hoje, ele segue utilizando as gotas do composto todos os dias antes de dormir.
“O THC é muito conhecido pelos efeitos psicoativos, porém é uma substância que tem valor terapêutico para várias doenças; já o CBD é o composto mais conhecido dentro da área farmacêutica, principalmente pelo efeito antiepilético e também antidepressivos. Quando combinadas essas substâncias, observamos que têm efeitos neuroprotetores”, afirma a farmacêutica.
LEIA A REPORTAGEM COMPLETA DE MICAELA ORIKASA NA FOLHA DE LONDRINA.