A entrega da vacina da Oxford/AstraZeneca produzida pela Fiocruz deve ser alavancada a partir da semana que vem, após o recebimento de novo lote de IFA (ingrediente farmacêutico ativo) no sábado (24).
Assim, a Fiocruz deve conseguir produzir mais 8,96 milhões de doses, com expectativa de fechar o mês de abril com quase 20 milhões de doses entregues.
No entanto, a produção 100% nacional, com matéria-prima produzida também no Brasil, só deve ocorrer a partir de outubro.
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A Fiocruz conversou com jornalistas nesta quinta-feira (22) para falar sobre os estudos em andamento pelo instituto e os dados sobre farmacovigilância, além do cronograma atualizado de doses.
Participaram Maurício Zuma, diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde e Cristiana Toscano, membro do comitê de especialistas em vacinas da OMS (Organização Mundial da Saúde).
O Ministério da Saúde, que tem a parceria com a Fiocruz e a AstraZeneca para a transferência de tecnologia do imunizante no país, foi alvo de críticas no mês passado por ter revisto seis vezes o cronograma de entregas para os meses de março e abril.
Inicialmente, a conta passou de 47,3 milhões para 25,5 milhões. O ministro da saúde, Marcelo Queiroga, defende que a pasta tem asseguradas 30,5 milhões de doses para este mês, mas as duas produtoras, a Fiocruz e o Instituto Butantan, afirmam ter previsão para 29,2 milhões de doses, das quais 19,4 milhões são da Fiocruz.
A fundação já distribuiu, em fevereiro, 4 milhões de doses da vacina Covishield vindas direto do Instituto Serum, na Índia. Em março, foram produzidos no país 2,8 milhões de doses com a matéria-prima que chegou em fevereiro.
Para Zuma, não há atrasos. "É preciso desfazer essa confusão de que ocorreram atrasos. A produção e o envase estão seguindo os passos normais e é louvável que tenhamos, em menos de seis meses, começado a produção da vacina, uma vacina que ainda não sabíamos nem se seria eficaz." Os seis meses a que se refere são contados desde a data do acordo fechado com a AstraZeneca para transferência de tecnologia, em 8 de setembro.
Segundo Zuma, as etapas para validar os insumos que chegam no país e, posteriormente, atestar o controle de qualidade dos frascos envasados são complexas e demoram cerca de quatro semanas. "Não é possível acelerar esses passos. Eles são rigidamente seguidos a partir de uma farmacopeia [protocolo internacional de rigor na área de produção de imunobiológicos] e os prazos são esses mesmos", afirmou.
A Fiocruz já triplicou a sua capacidade de produção diária e consegue agora produzir 900 mil doses por dia e também deve ampliar a fábrica, com uma terceira linha de produção a ser inaugurada em julho, com capacidade adicional de produzir cerca de 200 mil a 300 mil doses por dia. No entanto, mesmo com esse aditivo, há ainda alguns entraves para a produção 100% nacional.
De acordo com Zuma, até o final de julho serão entregues os 100,4 milhões de doses do acordo inicial com a AstraZeneca –19,8 milhões em abril, 21,5 milhões em maio, 34,2 milhões em junho (mês com um adicional de capacidade devido à nova fábrica, ainda pendente certificação da Anvisa) e 22,1 milhões em julho. Somados aos 4 milhões de doses da Covishield, a Fiocruz terá entregue ao PNI (Programa Nacional de Imunizações) 104,4 milhões de doses até o meio do ano.
Na sequência, porém, com o fim do IFA importado, a produção nacional da matéria-prima terá um hiato de dois meses. "Não temos garantia de entrega nos meses de agosto e setembro. A produção do IFA nacional está apenas no começo, estamos ainda aprendendo como fazer essa produção e isso depende também da certificação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]", disse Zuma.
Além disso, diz, é preciso também fazer uma pausa duas vezes ao ano a cada seis meses para fazer a revalidação na linha de produção.
A Anvisa deve fazer uma visita à fábrica Bio-Manguinhos na próxima semana para inspecionar a nova fábrica. A expectativa é de que, com a adequação do novo espaço e o certificado de boas práticas, a Fiocruz possa produzir a matéria-prima fundamental para a vacina contra a Covid-19 mais rapidamente.
Segundo Toscano, o comitê de vacinas da OMS acompanha um único caso de coágulo associado com trombocitopenia após a vacina da Oxford no Brasil. "De acordo com o último boletim, a incidência de eventos trombóticos no país foi de 0,9 a cada 100 mil pessoas, ou seja, muito semelhante à incidência na população geral de trombose."
Ela diz que é preciso continuar o monitoramento, mas descarta que haja subnotificação dos casos no país. "É um evento muito grave, as pessoas precisam de acompanhamento médico, então dificilmente não vai haver notificação", afirma.
Krieger afirmou que os dados de efetividade da vacina da Oxford/AstraZeneca e sua eficácia contra as novas variantes seguem sendo estudados em todo o mundo, mas dados produzidos no país devem ser divulgados em breve. "Não foi ainda fechado com o Ministério da Saúde, mas foi proposto um estudo pela Unesp de Botucatu, baseado na capacidade do próprio instituto de fazer o monitoramento genômico das variantes, de vacinar 100% da população adulta na cidade para ver dados de efetividade na vida real."
Segundo ele, a Fiocruz espera avançar com as entregas para poder apoiar esse estudo clínico. "Vai ser uma das estratégias que vamos buscar para avaliar o impacto das variantes, e principalmente da P.1, na efetividade da vacina", diz.