A exigência de atestado médico está dificultando o acesso de pacientes oncológicos à imunização contra a Covid-19 apesar de estarem na faixa etária indicada para receber a vacina.
O alerta é de entidades de apoio ao paciente com câncer. A obrigatoriedade consta no Plano Nacional de Operacionalização da Vacina Contra a Covid-19 do Ministério da Saúde.
Para as entidades, a exigência é desnecessária e configura uma barreira ao paciente SUS, que têm dificuldade de acesso ao seu médico. Além disso, obriga os doentes a se deslocarem até os hospitais em busca do atestado, não raro mais de uma vez, expondo-os a riscos de infecção pelo coronavírus.
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A Femama (federação que reúne mais de 70 ONGs de apoio à saúde das mamas) encaminhou ofício ao ministério pedindo a suspensão imediata da medida, mas não obteve retorno.
No documento, a entidade diz que não há risco diferente observado ao imunizar pessoas com histórico de câncer e que todas as vacinas disponíveis são seguras e eficazes, inclusive para pacientes oncológicos.
"Os infectologistas são taxativos: as vacinas não utilizam o vírus vivo e, assim, não causam a doença sob hipótese alguma. Podem ser administradas em todos os pacientes imunocomprometidos com tranquilidade", diz a mastologista Maira Caleffi, presidente da Femama.
A médica afirma que nenhum outro país tem exigido o atestado. "Milhões de pessoas com câncer já foram vacinadas no mundo, e a segurança da vacina está mais do que estabelecida. Não tem por que continuar com essa exigência", diz ela.
Em sua opinião, a medida acirra as disparidades de saúde. "Pacientes no sistema privado de saúde podem conseguir com muito mais facilidade o atestado médico, enquanto usuários do SUS não possuem contato direto com o profissional de saúde que os acompanha."
Caleffi lembra que muitos podem ter que esperar meses por uma nova consulta para solicitar o documento.
Os casos das aposentadas Maria Aparecida, 84, de Porto Alegre (RS), e de Maria José, 78, de São Paulo (SP), ilustram bem o cenário. Ambas fazem tratamento de câncer de mama e só souberam no posto de vacinação que precisavam de atestado médico para receber a vacina.
Maria Aparecida estava no carro de familiares e foi levada até o hospital privado onde faz tratamento. Sua médica não estava, mas a assistente puxou o seu prontuário eletrônico e lhe entregou no atestado autorizando a vacinação. Uma hora depois, ela já estava sendo vacinada.
Já Maria José chegou com a filha de ônibus ao posto do Centro de Exposições do Anhembi. Ao saber da exigência, ficaram sem saber o que fazer. "Estava sem crédito no celular. Tivemos que voltar para casa", diz a filha Lucia Helena.
No dia seguinte, ainda sem o celular, ela foi até a clínica onde a mãe fez quimioterapia pelo SUS até o mês passado, mas o médico já tinha ido embora. Só dois dias depois conseguiu pegar o documento e sua mãe pôde finalmente ser vacinada.
Na opinião da psicóloga Luciana Holtz, do Instituto Oncoguia, é preocupante ver pacientes com câncer, dentro da idade permitida para a imunização, enfrentando barreiras para tomar a vacina.
"Se os técnicos estão inseguros, precisamos de uma nota técnica do Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde que esclareça isso".
Na opinião do oncologista Drauzio Varella, embora seja recomendável que o paciente consulte o seu médico antes da vacinação, a exigência de atestado médico não faz sentido porque pode, sim, dificultar o acesso à vacina.
"Os cânceres do tipo linfoma ou as leucemias estão associados a uma deficiência imunológica, então nesses pacientes a vacina pode ser contraindicada, mas no caso de tumores sólidos, como os de estômago, cabeça e pescoço e intestino, não há, de modo geral, esse problema."
O próprio plano de vacinação diz que, embora a eficácia e a segurança das vacinas contra a Covid-19 não tenham sido avaliadas na população de pacientes oncológicos, considerando as plataformas das vacinas disponíveis (vetor viral não replicante e vírus inativado) é improvável que exista risco aumentado de eventos adversos.
Ainda assim, o texto recomenda que a avaliação de risco benefício e a decisão referente à vacinação ou não deverá ser realizada pelo paciente em conjunto com o médico, "sendo que a vacinação somente deverá ser realizada com prescrição médica". O ministério não respondeu ao questionamento da Folha sobre se pretende ou não mudar a exigência.
Para o oncologista Bruno Ferrari, do grupo Oncoclínicas, é importante que o paciente tenha o aval do oncologista que o acompanha. Ele não vê a exigência como um fator limitante ao acesso, mesmo no SUS.
"Tem sido muito frequente prover o atestado. Ninguém melhor que o próprio médico para tirar eventuais dúvidas do paciente. Mas, claro, diante de uma impossibilidade [de acesso ao médico], é mais seguro tomar a vacina do que não tomar."
Para Maira Caleffi, em vez de o exigir o atestado o Ministério da Saúde deveria facilitar o acesso, priorizando os pacientes oncológicos na vacinação. Aqueles com câncer metastático, em uso de drogas orais, que estão fazendo quimioterapia e radioterapia, que terminaram o tratamento nos últimos seis meses e que estão cirurgias agendadas seriam os candidatos prioritários.
A médica lembra que a suspensão de procedimentos eletivos por causa da pandemia afastou pacientes oncológicos em acompanhamento e aqueles com suspeitas de câncer. "Com isso aumentou a possibilidade de haver mais tumores avançados por falta de diagnóstico precoce."
Para Ferrari, a queda de exames diagnósticos para o câncer causará um grande impacto ao sistema de saúde.
"Com mais casos avançados, o custo do tratamento é maior e as chances de cura também diminuem muito." Ele é autor de um estudo que identificou aumento de risco de morte de paciente oncológico infectado pela Covid-19.
Quando chegar a vez da vacinação dos grupos prioritários dos pacientes com comorbidades, como o câncer, será necessário comprovar a doença no ato da vacinação, por meio de receituário, carteira do centro de câncer ou uma declaração do médico.
"Todos os pacientes oncológicos devem se antecipar e, na próxima consulta com o profissional que o acompanha, já solicitar um atestado médico ou qualquer outro documento que comprove sua situação", orienta Caleffi.