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Brasil escapa da lógica de quem estuda lockdowns pelo mundo

18 mar 2021 às 07:59


Os cinco maiores países da Europa -Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha- implantaram restrições para conter o contágio do coronavírus neste trimestre. Em todos, a mobilidade caiu a no mínimo 40% abaixo de janeiro de 2020, antes da pandemia.

O que explica a relativa eficiência das medidas impostas pelos cinco governos não é tão simples de apontar. Menos difícil talvez seja entender o aparente fracasso no Brasil.


O grau das proibições varia bastante. Na França e na Espanha, as escolas estão abertas desde junho, na Alemanha fecharam, caminho tomado por boa parte da Itália, enquanto no Reino Unido começaram a reabrir.


Reino Unido e as principais regiões da Itália baixaram ordens para ficar em casa a não ser em casos essenciais, enquanto Espanha e França adotaram toques de recolher, com durações diversas.


Há regras diferentes para quem pode se encontrar com quem, onde e em que condições.


Seria a punição uma das explicações? Na França, quem for pego na rua sem justificativa das 18h às 6h paga multa de no mínimo 135 euros (R$ 900), valor que vai a 3.750 euros (R$ 25 mil) em caso de reincidência.


Na Espanha, das 23h às 6h a multa vai de 100 a 3.000 euros (entre R$ 670 e R$ 20 mil), e, no Reino Unido, quebrar o confinamento custa de 200 a 2.400 libras (de R$ 1.600 a R$ 50 mil).


Mas a multa sozinha não diz tudo. Na Inglaterra, o protocolo da polícia é fazer três tentativas antes de chegar a ela: explicar por que a pessoa está infringindo as regras, pedir que mude seu comportamento, mandá-la para casa e só em último caso sacar o talão.


Além disso, sempre há quem decida infringir a regra, mesmo que doa no bolso.


Na Bélgica, desde o começo do primeiro confinamento, em março do ano passado, a polícia já fez 200 mil boletins de desrespeito às restrições -são 550 por dia. Multas já superam 7,6 milhão de euros (R$ 50,9 mi). Mais da metade dos infratores tinha menos de 30 anos de idade.


A gama de políticas adotadas pelos países é tão ampla que acadêmicos de diferentes universidades montaram equipes encarregadas de medir seus graus, para permitir alguma comparação.


O "índice de adstringência" da Escola de Governo Blavatnik, da Universidade de Oxford, por exemplo, usa 18 critérios em nove áreas de política, dando pontos para diferentes graus de rigor.


A metodologia desses índices permite refletir sobre por que lockdowns rendem fotos de cidades vazias na Europa e de praias cheias no Brasil.


Para começar, proibições não são vistas como uma estratégia isolada. Os índices levam em conta condições para elas sejam cumpridas, como campanhas de informação, programas de apoio à renda, redução de tarifas, programas de crédito facilitado e serviços de apoio social, entre outros.


Também está claro que nenhum governo implanta restrições porque gosta, mas porque precisa. E só dá para saber se precisa -e, principalmente, terminá-las o mais cedo possível- se a evolução da pandemia for acompanhada com rigor.


Nas avaliações, portanto, estão previstas políticas de teste, rastreamento, tratamento e investimento no serviço de saúde pública.


Mas talvez o que essas medidas mais revelem sobre o Brasil seja algo que elas omitem: não há pontuações negativas.


Por exemplo, no critério sobre ordens para ficar em casa, a maior pontuação possível (3) é para a proibição de sair a não ser em raras exceções; 2 pontos são atribuídos quando é possível fazer exercícios, ir às compras ou fazer viagens essenciais.


Se há apenas recomendação para não sair de casa, a nota é 1, e o índice atribui 0 quando não há recomendações.


Não existe, portanto, a previsão de que um governo faça justamente o contrário: declare-se abertamente contra os confinamentos e incentive as pessoas a desrespeitarem as restrições e saírem de casa.


No quesito campanha de informação, há dois níveis acima do zero: 1 ponto para governos que "pedem cuidado contra a Covid-19" e 2 pontos para os que "fazem uma campanha de informação pública coordenada, em várias plataformas e para vários públicos".


Nos cinco principais países europeus -governados por partidos de orientações políticas muito diferentes, do socialismo ao liberalismo-, o combate à pandemia foi coordenado pelo líder nacional, mesmo em federações, como a Alemanha, ou países de comunidades autônomas, como a Espanha.


O presidente francês, Emmauel Macron, foi à TV dizer que o país estava em guerra, o premiê britânico, Boris Johnson, repete "fique em casa" cotidianamente desde que passou a levar a pandemia a sério e Angela Merkel já deu mais de uma aula sobre por que é preciso impedir o contágio.


Zero é não fazer nada.


Não se concebe que um governo possa fazer menos que nada -ou seja, divulgar notícias falsas desacreditando o que funciona, como máscaras e vacinas, e promovendo o que não há provas de que funcione, como remédio para malária ou vermífugos.


Para citar só mais um exemplo, o critério de reuniões leva em conta o número de pessoas que podem estar juntas num mesmo lugar. Quanto menor o limite, mais pontos. Se não houver restrições, a nota é zero.

Seria preciso uma nova metodologia de cálculo para dar conta de um governo federal que, em vez de restringir, promove aglomerações em plena pandemia.


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