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Negligência e imprudência

Médico de mutirão de cirurgias de cataratas que cegou pacientes é suspenso por 30 dias

Marcos Candido - Folhapress
10 out 2024 às 10:00

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Em 30 de janeiro de 2016, a professora Vilma Lidradino, 46, notou que o olho do pai, Francisco Gomes da Rocha, 78, mudava de cor. "Ora ele ficava verde, ora azul, ora branco", diz.


Cerca de 48 horas depois, o olho de Francisco já não tinha mais as cores que Vilma conhecia desde a infância. Depois, o órgão teve que ser removido. O motivo foi uma infecção que, segundo a Polícia Civil, atingiu 22 pessoas em um mutirão da catarata da Prefeitura de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, em 2016. Muitas ficaram parcial ou totalmente cegas.

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Em setembro deste ano, o oftalmologista à frente do mutirão, Paulo Barição, foi punido pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) com 30 dias de suspensão da licença de trabalho por infrações como negligência e imprudência.

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Segundo a instituição, responsável por fiscalizar a atividade médica no estado, a existência de um processo ético-profissional ou de um processo criminal, por si só, não impede o exercício da medicina.

O caso estava em análise desde 2017, e, após a suspensão, a penalidade administrativa será arquivada. "Salvo se houver algum outro óbice, decorrente de outra medida administrativa ou judicial."


Durante uma semana, a reportagem telefonou para dois números em nome do médico. As ligações caíram na caixa postal ou não foram atendidas. Também foram enviadas mensagens via WhatsApp e um email com questionamentos, mas não houve retorno até a publicação da reportagem. A defesa não foi localizada.


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Atualmente, Barição atende em uma clínica particular na cidade de São José dos Campos, no interior do estado. A suspensão da licença de trabalho foi encerrada na segunda (1º), mas ele manteve o afastamento por mais duas semanas.

Os procedimentos foram feitos no Hospital de Clínicas Municipal de São Bernardo por funcionários de clínica contratada pela Secretária da Saúde para prestar o serviço.

Um laudo do município, obtido pela reportagem, aponta que a equipe médica encabeçada por Barição usou os mesmos materiais para operar cerca de 27 pessoas, uma após a outra, das 9h às 16h.

Uma sindicância municipal também conclui que o profissional não lavou as mãos, usou o mesmo avental e instrumentos para os pacientes sem esterilizá-los adequadamente entre um e outro -além de ter feito só uma troca do lençol cirúrgico no dia.

O médico também teria levado dois dias até relatar o problema para Secretária de Saúde de São Bernardo, que só depois da notificação passou a encaminhar pacientes a centros cirúrgicos especializados na Grande São Paulo.

No inquérito, o médico confirmou à polícia outras acusações feitas pelas auxiliares de enfermagem, como ter convidado uma namorada para abrir embalagens e não ter aplicado tampões de proteção nos olhos dos pacientes após os procedimentos.

Na época, especialistas do Hospital São Paulo, na capital, foram convocados para analisar o caso e detectaram a presença da bactéria Pseudomonas aeruginosa nos olhos dos pacientes. O microorganismo causou endoftalmite aguda, um quadro infeccioso que provoca inflamações. Uma das alternativas de tratamento mais drásticas é a remoção do globo ocular.

Ao ver a mudança na cor dos olhos do pai, Vilma reforçou a dosagem do colírio até decidir levá-lo a um pronto-socorro. Lá, reencontrou as famílias do mutirão amontoadas na sala de espera.
Um especialista recomendou a remoção do globo ocular de Francisco para prevenir que a infecção alcançasse o cérebro.

"Ele já tinha uma baixa visão de um olho e buscou a cirurgia para o outro. Aí, ele perde um e fica com o olho já comprometido. Todos entraram em pânico", relembra Vilma. Seu pai hoje vive com familiares na Bahia.

Já Expedito Batista, 75, disse aos médicos que "preferiria morrer a ficar cego." Mas não teve escolha. A alternativa era retirar o globo ocular e passar a usar um olho de vidro. A outra opção era um tratamento com medicamentos, o que aumentaria o risco do avanço da infecção.

Batista escolheu não passar pela retirada do globo ocular, mas hoje é cego de um dos olhos.
Duas vezes ao dia, pinga colírio no olho afetado. A cada quatro meses, recebe acompanhamento médico de uma oftalmologista. "Às vezes, meu olho fica branco, feio. Não enxergo mais nadinha", diz.

Em nota, a Prefeitura de São Bernardo afirma que os pacientes são acompanhados por uma equipe de oftalmologistas, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais e participam de reuniões mensais para a manutenção de óculos e próteses oculares.

Na Justiça, as vítimas processaram o médico, duas auxiliares de enfermagem e o município de São Bernardo do Campo por ações como erro médico e lesão corporal. Segundo a defesa das vítimas, a ação criminal por lesão corporal ainda corre na Justiça.

Em 2016, o Ministério Público pediu o arquivamento de uma ação por lesão corporal grave contra Barição pela morte do paciente Pellegrino Fischer Riatto, ocorrida um mês após o mutirão. O tratamento de Riatto envolveu uma cirurgia e antibióticos para conter a inflamação.

Os promotores entenderam que a morte de Pellegrino, causada por quadros anteriores de saúde, não teve relação com a cirurgia de catarata. O documento, porém, reforça que "não existem dúvidas de que a vítima foi acometida por endoftalmite em razão da completa ausência de esterilização de instrumentos e outras assepsias."

Um ano após a remoção do globo ocular, o paciente Anísio Augusto, 70, também morreu por complicações pós-cirúrgicas, de acordo com familiares. Anísio teria desenvolvido um quadro de depressão após ter um dos olhos retirado.

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