Você deve estar acostumado a se guiar na pandemia por meio de dados de casos, mortes e internações por Covid (se não, deveria). Mas há outras formas de observar como caminha a crise sanitária. Uma delas é pelo que as pessoas falam no Facebook.
Não, os pesquisadores não ficam lendo comentários aleatórios da sua tia na rede social e vendo a frequência com que usuários publicam vídeos de gatinhos.
A ideia é enviar uma espécie de questionário de sintomas para usuários da rede social, escolhidos para compor uma amostra minimamente representativa.
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O interessante é que, segundo os pesquisadores, os relatos de sintomas gripais, ou seja, compatíveis com os da Covid, conseguem, até certa medida, captar a situação pandêmica em desenvolvimento. E também antever os dados oficiais, já que se passam alguns dias entre uma pessoa ter sintomas, buscar por um teste e o resultado entrar no sistema do governo.
Chama a atenção a explosão de respostas positivas de dezembro para cá, momento no qual a variante ômicron começava a ganhar terreno no país.
De acordo com a plataforma, em 23 de novembro, 1,6% das pessoas que responderam à pesquisa falavam em sintomas gripais. Já em 10 de janeiro, eram 7,8%, um crescimento de 4,8 vezes.
O último dia que consta no painel Redes Sociais e Covid-19, uma parceria do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) com a Vital Strategies, uma organização internacional em saúde pública, é 13 de janeiro -naquele ponto, a curva teve um pequeno declínio, com 7,6% das pessoas afirmando que têm sintomas.
Na segunda-feira (24), a média móvel de casos de Covid, segundo o consórcio de veículos de imprensa, chegou a 150.236 infecções por dia, no sétimo dia de recorde de toda a pandemia.
Inclusive, segundo Carlos Lula, presidente do Conass, as respostas desse questionário impediram um "voo completamente cego" e ajudaram a nortear gestores públicos em dezembro e janeiro, em meio ao apagão de dados do Ministério da Saúde, quando foi registrada uma explosão no número de pessoas apontando sintomas gripais no painel.
"Quando a gente notou que estava no nível de tendência de crescimento, de que essa curva de fato seria agressiva, a gente já reuniu os secretários, já debateu com eles e todo mundo já começou a reprogramar sua rede de saúde", diz Lula.
"Hoje, o que existe no país inteiro é gente voltando a leito de UTI, equipamento que estava fechado para Covid voltando para Covid."
De acordo com Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital Strategies no Brasil, os dados de casos chegam com atrasos, que variam de local para local, no sistema do Ministério da Saúde.
"Você percebe que a pandemia está se movimentando de um jeito diferente com quase um mês de atraso e, no dado do Facebook, embora atrase um dia para responder, três [dias] para subir [no sistema], você tem uma semana de atraso e consegue antecipar em uma ou duas semanas, pelo menos, as tendências da dinâmica da pandemia", afirma.
Renato Teixeira, consultor técnico da Vital Strategies Brasil, diz que a ideia do sistema era adiantar uma mudança no comportamento da pandemia no país. "O que nos chama atenção é se essa tendência vinha caindo e de repente começa a subir. Aí a gente fica em alerta", diz Teixeira.
Usar a interação das pessoas na internet para analisar a pandemia não chega a ser algo inédito. Algo semelhante pôde ser visto em simples buscas do Google.
Em momento de subida de casos de coronavírus, é possível observar também um crescimento de pesquisas por assuntos relacionados. Desde as festas de fim de ano, a busca por "sintomas Covid" teve um aumento exponencial, por exemplo.
"Podem dizer: 'Ah, mas não tem validade extração de dados no Facebook para querer monitorar uma política pública'", diz Lula. "A gente conseguiu, mesmo com o apagão de dados do Ministério da Saúde, olhar a curva de aumento de casos desde o final do ano", rebate.
A plataforma Redes Sociais e Covid-19 foi lançada em março de 2021, com desenvolvimento desde o ano anterior. E o Brasil não é o único lugar em que ela está em funcionamento.
Nos EUA, as informações sobre o crescimento ou não das menções de sintomas têm dados até para condados e cidades. No Brasil, a granularidade máxima é por estado (para os quais nem sempre há respostas suficientes para conseguir compor o quadro local, segundo a metodologia da pesquisa).
Os questionários online levam de oito a dez minutos para serem respondidos. Há questões sobre febre, tosse, fadiga, dor no corpo, além de perguntas comportamentais, sobre uso de máscara, uso de transporte público e até mesmo se você foi a algum evento com mais de dez pessoas nos últimos dias, entre várias outras.
Logicamente, os escolhidos diariamente para responder à pesquisa não necessariamente são representativos da população, considerando que só usuários de Facebook (e consequentemente com acesso à internet) preenchem o questionário.
A pesquisa é feita ainda com apoio da equipe de saúde pública do Facebook e de pesquisadores da Universidade de Maryland e da Universidade Carnegie Mellon, ambas nos Estados Unidos.