Autoridades em saúde do mundo se engajaram no combate ao câncer de mama, que se tornou o mais comum atualmente, ultrapassando o câncer de pulmão.
Em 2021, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu como meta global a redução da mortalidade em 2,5% por ano até 2040, poupando a vida de 2,5 milhões de pessoas. Mas avanços como esse ainda são um desafio, segundo um estudo publicado nesta segunda-feira (15) na prestigiosa revista científica The Lancet.
A desinformação e o estigma associado à doença, além da desigualdade na oferta de tratamentos -que varia conforme a região ou condição socioeconômica- dificultam o tratamento e o diagnóstico, de acordo com o relatório assinado por pesquisadores em oncologia, radioterapia e epidemiologia de diferentes países.
O desconhecimento acerca da doença avançada está entre as principais dificuldades identificadas na pesquisa, diz o oncologista brasileiro Carlos Barrios, do Grupo Oncoclínicas, que integrou a comissão.
Com as tecnologias já desenvolvidas até agora, pacientes nesse estágio podem ultrapassar dez anos de vida, mas pouca gente sabe. Essa falta de informação interfere no modo como profissionais de saúde lidam com o quadro e como as próprias pacientes se encaram, tendendo a uma postura cética e retardando a busca por ajuda.
Outro problema decorrente desse impasse é a subnotificação de casos de metástase (quando o tumor se espalha para outros órgãos), o que dificulta o planejamento e a oferta de cuidados.
Nesse sentido, a comissão reforça a importância de iniciativas que promovam a inclusão social das pacientes, como flexibilizações legais no regime de trabalho, e projetos que ajudem a transformar a concepção da doença.
"Com a informação correta, um tratamento direcionado e mudanças no estilo de vida, a pessoa com metástase pode levar uma vida parecida com a de qualquer outra que tenha uma doença crônica", diz a oncologista Maria Cristina Figueroa, professora da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e idealizadora do projeto Nós por Elas, que visa melhorar a jornada de pacientes diagnosticadas com cânceres comuns em mulheres.
Apesar dos avanços no diagnóstico e no tratamento do câncer de mama, o acesso a eles é desigual, e essa é outra dificuldade mencionada pela comissão. Existem diferenças entre países ricos e de baixa renda, e mesmo naqueles com sistemas públicos de saúde consolidados há limitações, diz Barrios.
"No Brasil, por exemplo, o SUS [Sistema Único de Saúde] ainda não consegue oferecer o que há de mais moderno no mundo para aumentar a sobrevida", diz o médico.
"Mesmo no setor privado brasileiro, temos desafios", acrescenta a oncologista Aline Vieira, do Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba. "Pelo convênio, um diagnóstico pode levar em torno de um mês. Além disso, nem sempre o paciente tem condições de acessar a medicação que prescrevemos", diz.
Um estudo divulgado em 2021 pela Fundação do Câncer mostrou que apenas 34% das pacientes do SUS conseguiram começar o tratamento em até 60 dias após o diagnóstico, limite previsto em lei para o início dos cuidados no sistema público. Mas, mesmo no setor privado, apenas 48% iniciaram dentro desse prazo.
No relatório da Lancet, os especialistas também citam um conceito recente na saúde, o de sofrimento oculto, que se refere àqueles difíceis de mensurar, mas centrais para a compreensão do quadro clínico, como dor psíquica, dilemas econômicos e conflitos familiares.
A ideia é que cada vez mais os tratamentos levem em conta a complexidade psicossocial que envolve as pacientes, para além dos impactos físicos apenas. "Novas métricas devem ser desenvolvidas para aprimorarmos esse olhar", diz Barrios.
O relatório prevê ainda um aumento gradual da incidência de câncer de mama no mundo todo devido ao atual estilo de vida no ocidente, que envolve, entre outros fatores, sedentarismo, alto consumo de álcool e de alimentos ultraprocessados. "Mas essa projeção não é inevitável", reforça o médico. "Acreditamos que educar e informar as pessoas para uma vida mais saudável possa fazer toda diferença a longo prazo", diz.