Após lidar com problemas de pele constantes de sua golden retriever, a engenheira mecânica Polly Massari decidiu colocar em prática uma mudança radical na vida de seus cães: parar de alimentá-los com ração. Hoje, os quatro cachorros possuem um cardápio à base de ossos e comidas cruas (Barf, na sigla em inglês).
A dieta é comumente conhecida como "alimentação natural". Entre os adeptos estão especialmente os tutores de cães. Especialistas, contudo, alertam para riscos de desnutrição e contaminação por bactérias e protozoários.
Leia mais:
Em Londrina, escoteiros promovem campanha de doação de ração e produtos pet
Guarda de pets pós-divórcio: o que diz a legislação brasileira?
Votação vai escolher os nomes das lontras do Refúgio Bela Vista na Itaipu Binacional
Como lidar com luto animal no Dia de Finados: a importância de honrar a memória de pets
Para Massari, a mudança "foi a melhor coisa que fiz pela vida delas". Ela oferece a alimentação crua com ossos desde 2017. Dentre os benefícios observados pela engenheira estão a melhora da disposição, ganho de massa magra, melhor qualidade das fezes e condição de saúde geral dos animais.
A dieta Barf é uma das possibilidades de alimentação natural para pets. Além dela, existe a que utiliza apenas comida cozida e ainda outra, que é oferecida crua, porém sem ossos. A escolha depende da adaptação do animal e da preferência do tutor.
Ela gasta cerca de R$ 1.200 para adquirir 80 kg de carnes, ossos, vísceras, ovos e peixes que compõem o cardápio dos pets. Em cerca de 3 ou 4 horas, prepara e congela as porções que duram até 2 meses para alimentar duas viralatas, uma golden retriever e uma pastora alemã.
Além das carnes, Massari inclui na dieta complementos como iogurte, cogumelos e suplementos em cápsula ou em pó.
Apesar de considerar a alimentação benéfica, a mineira de Juiz de Fora (MG) destaca que a adaptação traz desafios. "No início a rotina é muito difícil, mas depois fica automático. Estou nessa há sete anos e não vejo outra forma de alimentação para as minhas cachorras, porque eu vi os benefícios que a alimentação natural trouxe a elas."
Em Santo André (SP), Pamela Pedroso ecoa a percepção de Massari sobre os resultados positivos da Barf. Seus dois cães fazem apenas uma refeição no dia, composta majoritariamente por carnes, vísceras e ossos.
Pedroso optou pela mudança após conhecer o modelo de alimentação nas redes sociais. "Criei um Instagram para minha cachorra na intenção de registrar os momentos e ver outros cães, mas acabei descobrindo a alimentação natural nesse mundo do InstaPet e achei muito interessante."
A transição foi feita de maneira direta para a dieta crua, mas a inserção dos ossos não foi tão simples. Uma nutróloga fez parte do processo para auxiliar a adaptação dos pets. Contudo, após problemas na digestão dos ossos, Pedroso voltou a oferecer uma alimentação sem eles por um período. "Depois de um tempo, contratei outra veterinária e retornamos à dieta com ossos, sem maiores problemas."
Márcio Brunetto, professor do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia) da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Centro de Pesquisas em Nutrologia de Cães e Gatos, afirma ser importante consultar um especialista em nutrição animal antes de aderir a cardápios caseiros.
"A dieta precisa ser formulada da maneira correta para atender todas as necessidades nutricionais dos animais", aponta. Brunetto destaca a importância da suplementação, já que a alimentação natural sozinha não é capaz de suprir as necessidades nutricionais dos pets.
Sem comprovação científica
Apesar de experiências vistas como positivas, como as de Massari e Pedroso, especialistas destacam os riscos de oferecer dietas caseiras aos cães.
Brunetto, que também é vice-presidente da SBNutri Pet (Sociedade Brasileira de Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos), aponta que sociedades de referência no Brasil e no mundo recomendam a alimentação convencional, com ração. "É mais segura, porque na ração já estão inclusos todos os nutrientes que os animais precisam."
O professor afirma que oferecer uma alimentação caseira balanceada para os pets pode ser difícil, pois além de exigir variedade, as necessidades dos animais são diferentes das dos seres humanos. Mesmo com a indicação de especialistas, muitos tutores tendem a modificar ou não respeitar a dieta, o que leva a maior risco de deficiência nutricional.
Em alguns casos a alimentação caseira pode ser benéfica para o pet, reconhece Brunetto, como para tratar animais que têm mais de uma doença associada, por exemplo. Nessas situações, as rações disponíveis no mercado podem não atender às necessidades do animal, o que leva o especialista a recomendar o cardápio alternativo. Nestes casos, porém, o especialista destaca que os alimentos devem ser sempre cozidos.
"A cocção é um processo importante para eliminar patógenos prejudiciais que estão presentes nas carnes cruas. Na dieta crua, há o risco de contaminação, pois o congelamento não tem o mesmo efeito", diz.
Um estudo publicado em 2021 por pesquisadores da USP considera a Barf uma dieta de risco, pois exige muitos cuidados do tutor na seleção e armazenamento dos alimentos. "Na minha opinião, os benefícios não compensam os riscos", afirma Brunetto.
Aulus Carciofi, professor do departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias na Unesp (Universidade Estadual Paulista), também destaca os riscos da prática. "Alimentos crus são contraindicados, devido ao alto risco de salmonela e outras doenças."
Os especialistas destacam a escassez de estudos que comprovem os benefícios de oferecer alimentação natural aos animais domésticos, enquanto existem análises sobre o tema que mostram prejuízos aos animais e seus tutores. "Não tem respaldo científico", diz Carciofi.