O período da Páscoa é sinônimo de bacalhau em muitos lares brasileiros. Fruto da colonização portuguesa, a tradição de preparar receitas com o peixe norueguês salgado vem de séculos passados e se adaptou ao gosto do brasileiro. Por ser um dos pratos mais famosos da cozinha portuguesa, a Folha buscou um chef de cozinha que tem ''conhecimento de causa'' para orientar o leitor na escolha, compra e preparo do bacalhau. O lusitano Tarciso Lopes, chef do restaurante Cais da Ribeira, do Hotel Pestana, de Curitiba, dá as dicas preciosas para apreciar de forma correta esse alimento saboroso e muito saudável. O local escolhido para encontrar variedades de espécies e diferentes preços foi o Mercado Municipal da Capital.
''Mesmo já sendo um alimento tradicional no Brasil, os consumidores apresentam muitas dúvidas de como comprar e preparar'', observa o chef. A primeira explicação é básica. Ao contrário do que se pensa, bacalhau não é um tipo nem uma espécie de peixe - e sim, o processo de pesca e salga de determinados pescados.
Vale lembrar que, apesar da forte tradição portuguesa no preparo do alimento, todo peixe classificado como bacalhau vem das águas geladas na Noruega ou países vizinhos. Foram os vikings escandinavos que descobriram o peixe no Atlântico Norte e inventaram o jeito de secar e salgar o alimento. O país lusitano adotou o bacalhau na época das grandes navegações, justamente por ser um alimento rico em proteínas que subsistia - salgado e seco - aos longos períodos de viagem das caravelas. Por isso também é considerado um alimento saudável, assim como o salmão - vive em águas frias e concentra proteínas que beneficiam o metabolismo do ser humano.
Outra curiosidade é que, embora hoje o bacalhau seja considerado nobre - e caro - já foi alimento destinado aos escravos brasileiros. Tarciso Lopes, que estuda história e costumes dos povos pela pesquisa culinária, conta que na época das navegações, os portugueses usavam o bacalhau armazenado em grandes pipas de madeira para servir de lastro nas caravelas. ''O peixe fazia peso nas caravelas que vinham da Inglaterra para o Brasil cheias de badulaques, fruto do comércio entre os países. Ao chegar aqui, as pipas de bacalhau, desprezadas, iam para os escravos nas senzalas'', conta.
Tarciso ensina que são dois tipos de peixes - ''gadus'' ou ''merluzões'' - os pescados que se transformam em bacalhau. Entre os primeiros, há os ''mohrua'' e os ''macrocephalus''. São os mais nobres. Se diferenciam por apresentar carne macia e pele que se desprende facilmente. O bacalhau ''gadus'' é excelente para cozidos e assados onde o peixe se destaca, em postas largas. Até a forma de pescar é mais cuidadosa - eles não apresentam marcas de anzol no corpo, por exemplo. O lombo é mais alto, entre outras características morfológicas que o chef explica ao apontar tipos de bacalhau na gôndola de uma importadora. O tipo ''gadus mohrua'', aponta Tarciso Lopes, está cada vez mais caro e difícil de encontrar, pois está em processo de extinção. Por isso, cerca de 70% dos bacalhaus disponíveis no comércio são ''macrocephalus''.
Os peixes ''merluzões'' são mais baratos e portanto menos nobres. A carne é mais fibrosa e a pele não solta facilmente. Mas são igualmente apreciados, explica Lopes. Se prestam mais a pratos como ensopados e bolinho de bacalhau, esclarece o chef. Entre eles estão os bacalhaus do tipo lingh, zarbo e saithe.
Outra dica de Lopes é a denominação de categoria usada para todos os tipos de bacalhau: imperial ou porto. ''Atenção porque esses nomes não indicam de qual peixe é o bacalhau. O imperial é considerado de excepcional qualidade. Porto não é um tipo de peixe - o nome vem simplesmente do fato de o bacalhau sempre chegar de navio, então, desde sempre se referiam ao peixe que 'vem do porto', além de ser o nome da cidade portuguesa'', esclarece.
Para congelar, só depois de dessalgado
Após decidir o tipo de bacalhau que se deseja, conforme o preço e a receita que será feita, Tarciso explica o processo de preparo. ‘Nada de congelar o bacalhau antes de dessalgar’, alerta o chef. O processo de dessalga consiste em mergulhar o peixe em água limpa e trocá-la várias vezes. Os peixes mais nobres levam menos tempo – cerca de 24 horas – enquanto os mais fibrosos, ‘merluzões’, podem ficar até 72 horas dessalgando.
Depois disso, caso se queira levar ao congelador, é necessário enxugar o bacalhau com um pano limpo e pincelar com um azeite. ‘Isso previne que o bacalhau se resseque pelo contato com o gelo’, explica Lopes. É importante guardar num freezer em um recipiente bem fechado.
Na cozinha portuguesa, muitas receitas de bacalhau levam o nome de seus criadores: Gomes de Sá, Zé do Pipo e João do Buraco. No menu do Pestana Curitiba, lembra Tarciso Lopes, o carro-chefe é o Bacalhau ao Cais da Ribeira, seguido pelo Bacalhau à Vila Almeida e o Bacalhau com Natas, além dos legítimos bolinhos de bacalhau que fazem sucesso como entrada.
Pesquisa aponta diferenças nos preços
Numa pesquisa de preços no Mercado Municipal de Curitiba e na importadora La Violetera, a Folha constatou a diferença de preços entre os tipos de bacalhau. O mohrua inteiro custa em torno de R$ 70,00 o quilo; em postas sai por R$ 35,00, e os filezinhos estão em média R$ 34,00 o quilo. O macrocephalus estava entre R$ 37,00 e 46,00 o quilo. Para o zarbo, os preços foram de R$ 30,00 a R$ 41,00 o quilo. O ling foi encontrado a R$ 36,00 por quilo, enquanto o saithe, mais barato e indicado para os bolinhos de bacalhau, sai por cerca de R$ 18,00 o quilo.
O Procon também orienta o consumidor para fazer pesquisa de preços antes de comprar. Outra dica é para as características de conservação do bacalhau: manchas avermelhadas ou pintas pretas no dorso podem indicar bolor ou deterioração.
Quem não quiser ter trabalho nenhum, nem se incomodar com tipo de bacalhau, preço, dessalga e corte, pode optar pela solução mais prática. No Mercado Municipal o produto é encontrado em embalagens com diferentes cortes, até bolinhos prontos para fritar.