O café-jacu, ou jacu bird coffee, chegou a Londrina, no Paraná. O produto, que vem do Espírito Santo e está ganhando o mundo, tem como principal característica o fato de passar pelo intestino do jacu antes de chegar ao terreiro. A ave come o fruto maduro e defeca os grãos inteiros, que depois são processados para chegar ao consumidor. Na cidade, o café só é servido na forma de espresso: R$ 10 a xícara. Se fosse para levar para a casa, a embalagem de 250 gramas (em grãos torrados) sairia muito caro, já que o custo para o comerciante está em torno de R$ 40.
O produto é inspirado no café mais caro do mundo (R$ 25 a xícara, em São Paulo), o kopi luwak, da Indonésia, cujos grãos são comidos por um felino. No caso do jacu, praticamente toda a produção vai para o mercado externo (Tóquio, Londres e Costa Oeste dos Estados Unidos) e uma pequena parte é vendida no Brasil, principalmente nas capitais.
A praga virou benção’, diz produtor
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A reportagem confessa que estranhou ao saber que iria experimentar o café-jacu, mas encarou com naturalidade ao ler sobre o assunto antes de beber. É um café muito bom, que deixa um gosto de fruta na boca. Se vale R$ 10 a xícara é outra história... As razões para o preço, porém, ficam mais claras ao ouvirmos as explicações do produtor Henrique Sloper, um carioca formado em marketing na Califórnia, e proprietário da Fazenda Camocim, no Espírito Santo, de onde sai o exótico café. Confira alguns trechos da entrevista.
Como surgiu a idéia do café-jacu?
Primeiro gostaria de dizer que este é um fenômeno natural, só criamos a tecnologia. Antes, queria me livrar dos jacus, pois os via como pragas na minha lavoura. Eu já conhecia o kopi luwak (café da Indonésia, que passa pelo processo digestivo de um felino). Foi num dia fatídico, quando vimos uns 80 jacus devorando os cafezais, que caiu a ficha. Aí a praga virou benção.
E como é o processo?
O jacu pega o grão no pé, senta perto do cafezal e vai comendo os frutos maduros até encher. É um espetáculo estranho. O jacu é uma mistura de urubu com galinha, faz um barulho assustador. Ele não tem estômago, é só papo e intestino. E o que ele quer é só a parte mole da fruta. Em 30 a 40 minutos ele defeca.
Vocês colhem as fezes e a partir daí o que acontece?
Aí entra o nosso processo tecnológico (que não revela em detalhes). O mundo tem vários cafés exóticos. O segredo nosso foi ter descoberto uma tecnologia própria. Colher cocô de pássaro é fácil. Transformar aquilo em bebida boa é que é a questão. Já registramos a marca jacu-coffee no mundo inteiro e o nosso projeto é transformar isso em tesouro nacional brasileiro.
E o que atrai tanto os jacus para a fazenda?
São três fatores: o sistema de produção florestal (floresta com agricultura), a lavoura orgânica e biodinâmica (sem utilização de produtos químicos), e o microclima da fazenda (região de montanha, silenciosa). O jacu é sensível e não gosta de barulho.
Por que o café é tão caro?
Por causa do custo de produção. Na última safra colhemos 70 toneladas de café na fazenda, sendo que menos de uma tonelada foi de café jacu. No final do processo, isso vai gerar uns 500 quilos apenas. É menos de 1% da produção.
Na hora de beber, qual a principal diferença do café-jacu?
Na boca, não sabemos dizer quimicamente o que muda porque isso ainda está em processo de pesquisa. Em relação ao outro tipo de café que produzimos na fazenda, o jacu passa por uma seleção natural, feita pelo próprio pássaro. Ele só come os grãos bons, do mesmo tamanho e maduros, que têm teor de açúcar mais alto. O jacu sabe o que faz.
Você pode dizer por quanto vende o jacu-coffee no exterior?
De jeito nenhum. Mas posso garantir que o preço é bem mais alto do que dentro do Brasil (cerca de R$ 40 o pacote de 250 gr de café em grão). E não tenho produção para atender a demanda. Para fora, o café vai embalado a vácuo, em caixas de cinco quilos, em grãos verdes. Eles preferem assim porque dizem que o café torrado depois de 15 dias já era...
O café é produzido desde 2006, mas tornou-se conhecido em território nacional depois da divulgação na mídia em setembro do ano passado. Desde então, a comerciante Cristina Maulaz está tentando trazê-lo para Londrina, mas só conseguiu fechar o negócio agora porque faltava produto para atender a demanda. A novidade começou a ser servida nesta semana.
''Estou ligando para as pessoas virem conhecer. Comprei em pequena quantidade para sentir o mercado. Quem aprecia café está gostando. Na verdade, é uma iguaria, uma bebida fina'', diz Cristina, da loja O Armazém. A convite da Folha de Londrina, dois especialistas no assunto estiveram no local para uma degustação. Eles tomaram a bebida sem açúcar, do jeito que se prova os chamados cafés especiais.
Afinal, o tal café que vem nas fezes do jacu é bom? ''Muito bom. Harmonioso, equilibrado e tem uma acidez desejada. Deixa um sabor residual muito agradável na boca. Lembra fruto maduro, adocicado. Está vendo esse creme que fica na xícara depois que acaba? É sinal de qualidade. Enfim, é um café maravilhoso, para degustar como se estivesse tomando uma raridade'', descreve Marcos Aurélio Bacceti, produtor, corretor e degustador de café para fins comerciais e de pesquisa. Ele já havia experimentado a bebida em São Paulo.
A bioquímica Maria Brígida Scholz, pesquisadora de café do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), tomou o café-jacu pela primeira vez e também aprovou. ''Esperava que fosse um bom café. E realmente é. É muito doce, com acidez aceitável, bem agradável. O ponto de torra é suave, muito aromático'', afirma ela, que também é degustadora oficial de café. Segunda Brígida, trata-se de um café super selecionado, já que o jacu escolheu no cafeeiro os frutos bons e bem maduros. ''O pássaro é atraído pelo doce do café''.
Tanto Bacceti quanto Brígida observaram que, independente do processo no sistema digestivo do pássaro, a qualidade do café já é muito boa. É cultivado em uma região de montanhas e certificado como orgânico e biodinâmico. ''Vale lembrar que o Brasil sempre produziu um excelente café, mas não falávamos dessa qualidade. O Paraná, por exemplo, tem café excepcional'', observa Bacceti.
O empresário Daniel Malamud, que também participou da degustação, achou que a bebida tem ''sabor único, diferente''. ''É bem equilibrado, com uma acidez boa. Você sente aquele amarguinho só no final, mas depois some da boca'', diz.
Depois de algum tempo na mesa ao lado, na cafeteria, ouvindo as conversas sobre o ''jacu'', o médico Roberto Tino e a esposa Denise Tino, professora, tomaram coragem e pediram a bebida. ''Tirando a excentricidade, é um bom café. Não é só uma boa jogada de marketing'', disse ele. ''Fiquei meio receosa de tomar, mas gostei'', afirmou ela, a única pessoa entrevistada que assumiu o estranhamento de experimentar a bebida.