Quando surge uma grande promessa nas categorias de base do Santos, ela é logo chamada de "raio". A origem é uma brincadeira dos torcedores de que, na Vila Belmiro, o raio cai mais de uma vez no mesmo lugar.
Trata-se de alusão principalmente a Pelé, Robinho e Neymar. Outros receberam o mesmo apelido, mas não deram certo e, por isso, foram esquecidos.
O mais correto seria dizer que o raio é o próprio Santos. Toda vez que o clube está com as costas contra a parede e vê o futuro ameaçado, alguns jovens e um técnico aparecem para salvar a situação. A temporada 2020 pode ser outro exemplo disso.
Em crise financeira, política e menos de um mês após um inédito impeachment do presidente, o Santos está a três jogos do título da Libertadores e da vaga no Mundial em Doha, em fevereiro.
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Em janeiro, fará a semifinal do torneio contra Boca Juniors ou Racing. Os argentinos definem a vaga no próximo dia 23, na Bombonera. A equipe xeneize perdeu o confronto de ida por 1 a 0.
A situação de hoje remete a quando, com os cofres vazios, o presidente Rubens Quintas Ovalle avisou ao técnico Chico Formiga que aquele elenco de 1978 teria de ser formado sem reforços caros. O treinador respondeu que usaria os garotos da base para disputar o Campeonato Paulista.
Os "raios" eram Juary, Pita, Célio, Claudinho e Rubens Feijão. Ao lado de desconhecidos recém-chegados, como João Paulo e Nilton Batata, eles foram campeões do estadual naquele ano. Foi o nascimento da expressão "Meninos da Vila", alcunha que virou marca registrada do clube.
O Santos também estava à beira do abismo em 2002. Sem dinheiro para contratações e eliminado na primeira fase do Torneio Rio-São Paulo, depois de perder para o Americano e empatar com o Bangu. A equipe era uma aposta para o rebaixamento no Brasileiro, e cair para a Série B era o maior medo da diretoria liderada pelo então presidente Marcelo Teixeira.
O técnico Emerson Leão, demitido meses antes da seleção brasileira, disse que gostaria de se arriscar com garotos como Diego, Robinho, Alex e Paulo Almeida. O grupo de atletas, tão jovem que não tinha nenhum integrante casado -isso durou até a volta do goleiro Fabio Costa, nas quartas de final-, acabou com o jejum de 18 anos sem títulos de expressão ao vencer o Brasileiro daquele ano.
Dezoito anos depois, a temporada de 2020 parecia ser aquela em que todos os problemas acumulados pelo Santos nos últimos anos explodiriam.
Com sérios problemas de fluxo de caixa, uma dívida de R$ 536 milhões (R$ 256 milhões a serem pagos até a metade de 2021), a diretoria atrasou salários, entrou em conflito com o elenco por promessas não cumpridas e chegou à situação em que a presença do presidente José Carlos Peres não era bem vista no centro de treinamento.
Por causa de débitos com Hamburgo (ALE) -pelo zagueiro Cleber Reis-, Huachipato (CHI) -Soteldo- e Atlético Nacional (COL) -Felipe Aguilar-, a agremiação ainda está proibida de registrar reforços.
O futebol ruim e os resultados fracos antes da pandemia da Covid-19 e no retorno do futebol causaram a demissão do português Jesualdo Ferreira. Ele saiu atirando e acusou Peres de deslealdade.
A escolha para substituí-lo foi Cuca. A decisão surpreendeu, já que o técnico havia passado pelo clube em 2018, durante a mesma administração, e deixado a Vila Belmiro falando mal do mandatário.
Peres foi afastado por má gestão no fim de setembro. Seu impeachment foi confirmado pelos sócios em novembro.
Nesta década, o Santos já havia tido um presidente que pediu afastamento por motivos de saúde, em meio a uma crise política (Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro), e dois expulsos do quadro de sócios (Odilio Rodrigues Filho e Modesto Roma Júnior) depois de terem balanços financeiros rejeitados pelo conselho deliberativo.
Odilio entrou na Justiça para voltar ao clube. Modesto afirma não ter sido comunicado da sua expulsão de forma oficial.
Sem reforços de peso e com apostas em nomes como Kaio Jorge, 18, Vinicius Baleiro, 21, Lucas Lourenço 19, Sandry, 18, e Marcos Leonardo, 17, o Santos entrou no mata-mata da Libertadores como azarão.
A esperança estava em Marinho, reconhecido nesta semana por Tite, técnico da seleção brasileira, como um dos melhores jogadores do país.
O atacante chegou ao clube paulista trocado por David Braz com o Grêmio em 2019. A decisão desastrada dos gaúchos mudou os rumos da equipe da Vila Belmiro.
Uma troca tão bem sucedida é novidade na vida dos torcedores do Santos. Muitos até hoje se lembram de quando a diretoria mandou o meia Pita para o São Paulo e recebeu em troca Humberto e Zé Sérgio em 1984. Ou da negociação de 1991 em que Palmeiras ficou com César Sampaio e deu Ranielli e Serginho Fraldinha.
A equipe alvinegra ainda tem altos e baixos. Mas quem apostava em rebaixamento -ou pior, que o clube poderia ser um novo Cruzeiro, um grande a cair para a Série B mergulhado em dívidas-, vê o Santos brigar por vaga entre os seis primeiros do Brasileiro, que dá lugar na Libertadores de 2021, e pelo próprio título da competição continental de 2020.
Cuca encontrou uma formação que sabe explorar a velocidade de Marinho e Soteldo nas pontas. Kaio Jorge, antes criticado por não fazer gols, mas elogiado pelo técnico por trabalhar para o time, fez 3 dos 5 anotados nas duas partidas diante do Grêmio nas quartas de final da competição sul-americana.
Em Sandry e Diego Pituca, o treinador tem dois volantes com bom toque de bola e que sabem sair para o jogo. A permanência de Lucas Veríssimo deu à defesa um zagueiro dominante pelo chão e que não costuma falhar pelo alto.
O ano foi tão conturbado que o time titular teve três goleiros: Vladimir, João Paulo e John. Este último, atual dono da posição, era a quarta opção em 2019. Tão improvável como é a campanha do Santos, mais uma vez.
Se terminar em título, como aconteceu em 1978 e 2002, o clube se transformará no maior campeão do país na Libertadores, com quatro troféus.
"O Santos é uma fênix", disse o presidente José Carlos Peres, antes do seu afastamento, ao apostar que tudo terminaria bem.