Símbolo do futebol brasileiro e de seu reconhecimento global como país apaixonado pelo esporte, a camisa amarela da seleção, consagrada como pentacampeã mundial, nasceu do trauma nacional no Maracanazo. A derrota de virada para os uruguaios, por 2 a 1, marcou a última vez que o Brasil utilizou uniforme branco, sua cor oficial até então, em Mundiais.
Em 1953, concurso realizado pelo jornal carioca Correio da Manhã, em parceria com a então Confederação Brasileira de Desportos, determinaria as novas cores da indumentária brasileira. Os postulantes deveriam propor o kit completo: camisas, calções e meiões.
O Correio da Manhã considerava o branco "inexpressivo" diante da variedade de cores vivas da bandeira nacional. Por isso, entre as regras estabelecidas, havia a necessidade de incluir nos desenhos as quatro cores presentes no estandarte brasileiro.
A campanha, que procurava renovar a identificação do torcedor com a seleção, reuniu mais de 300 participantes. Venceu uma combinação que trazia a camisa predominantemente amarela com detalhes verdes e calções azuis com detalhes brancos.
A ironia do vencedor estava em sua origem: o gaúcho Aldyr Schlee nasceu em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, e sempre ficou dividido com relação à torcida pelas duas seleções. Por isso ele contava que não havia ficado triste com o
triunfo uruguaio em 1950, no Maracanã.
Na época do concurso, Schlee vivia em Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, e trabalhava como desenhista em um jornal local, ilustrando lances e gols de partidas de futebol. "Fiz mais de cem desenhos. Fiz duas faixas com um "X". Fiz um "V" como o do Vélez Sarsfield [da Argentina]. Cheguei à conclusão de que a camisa tinha que ser toda amarela", afirmou Schlee ao jornalista inglês Alex Bellos, que escreveu o livro "Futebol, o Brasil em campo", cuja capa está ilustrada com os croquis desenhados pelo gaúcho.
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Para a versão final, Aldyr Schlee utilizou o amarelo-ouro para a camisa e o azul-cobalto para o calção. Não eram exatamente as tonalidades da bandeira nacional, mas o seu projeto foi aceito pelo júri e venceu o concurso. Além de um prêmio em dinheiro, cerca de 4 mil cruzeiros, o vencedor ganhou também um estágio no jornal. A novidade estreou em Copas do Mundo já na edição do ano seguinte, em 1954, na Suíça. O Brasil caiu nas quartas de final para a Hungria. Sua consagração como símbolo do futebol brasileiro viria em 1962, quando Mauro Ramos de Oliveira ergueu a taça Jules Rimet, vestindo camisa amarela, após vitória do Brasil sobre a Tchecoslováquia na final, em Santiago.
A Copa do Mundo de 1958, entre as que foram vencidas pela seleção brasileira, foi a única em que a equipe não vestiu amarelo na final. O azul, escolhido às pressas pois a Suécia, anfitriã, jogaria de amarelo, foi escolhido por Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação. Ele escolheu a cor em referência ao manto de Nossa Senhora Aparecida. Criador da camisa amarela, Aldyr Schlee morreu em novembro de 2018, aos 83 anos. Em 2016, ele disse à Folha de S. Paulo que o uso do uniforme em manifestações contra a corrupção era um contrassenso. "Esses mal-informados usam a camisa da entidade mais corrupta do mundo", disse Schlee, em referência à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e aos escândalos em que dirigentes da entidade se envolveram nos últimos anos.
A camisa da seleção, assim como a bandeira e o hino nacionais, também foi apropriada por apoiadores de Jair Bolsonaro, que costumam ir às ruas vestindo amarelo em seus atos. Em resposta, setores críticos ao governo querem devolver a esses símbolos a condição de bens comuns da sociedade brasileira. Na sua campanha em defesa da democracia, inspirada no movimento das Diretas Já, da década de 1980, a Folha de S. Paulo tem estimulado os leitores a utilizar a cor amarela.