A novela sobre a vinda do Museu Guggenheim ao Brasil ganhou um novo capítulo na segunda-feira com a divulgação da UOL pela Internet de que quatro capitais brasileiras, entre elas Curitiba, teriam sua tão sonhada sede. As demais seriam Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
A nota de 12 linhas que circulou pela rede mundial de computadores dava conta de que esta era uma decisão definitiva. Não era. No final do dia a Comunicação Social do Palácio Iguaçu esclareceu que tudo não passava de uma proposta formulada pela Fundação Guggenheim, dependendo ainda de acertos.
A informação veiculada já no final do dia baseou-se em entrevista dada pelo secretário estadual de Assuntos Estratégicos, Alex Beltrão, que participou do encontro. A estas alturas ele encontrava-se em Londres, seguindo um roteiro de trabalho.
De acordo com a Comunicação Social o museu sugeriu a "criação de uma coordennação unificada entre as cidades" e assim, dar-se início aos "estudos de viabilidade para sua instalação no Brasil". É uma realidade contrária à interpretação da UOL que começava o texto de 12 linhas dizendo: "Após a acirrada disputa entre quatro cidades brasileiras, a Fundação Guggenheim decidiu construir um museu em cada uma delas".
Afirmava, mais adiante, que "para dar continuidade ao projeto, será criada uma coordenação unificada, incluindo os prefeitos das cidades e os governadores de seus estados". Em sua nota o Palácio Iguaçu foi enfático: "O museu ainda não decidiu a cidade escolhida, mas admite instalar mais de uma unidade no Brasil". Alex Beltrão confirmou a sugestão de se criar a coordenação unificada.
A proposta para a multiplicação das sedes partiu do presidente da entidade americana, Thomas Krens, numa tentativa salomônica de apaziguar a disputa das quatro capitais, que desde 1999 vêm tentando vencer a parada. Essa cartada veio depois de muita discussão e nenhum acerto entre os concorrentes, que foram a Nova York especialmente para este fim. O primeiro encontro se deu num jantar na quarta-feria passada, seguido por uma visita ao museu no Soho, que fica de frente ao Central Park.
A comitiva de brasileiros incluía desde o empresário Edemar Cid Ferreira, da Associação Brasil + 500 Anos, ao consultor Robert Wilson, representando a comissão carioca do Píer 1. Este grupo tem por detrás a força do Banco Opportunity, que prevê ocupar a área da orla com um grande projeto alternativo.
Em Curitiba a classe artística dividiu-se entre os que apoiam e os que criticam a possibilidade de sediar a casa. A proposta é a utilização do Edifício Castelo Branco, projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, localizado próximo ao Palácio Iguaçu.
Porém, nem todos querem ver suas opiniões publicadas por inteiro. Preferem mostrar apenas um aspecto da questão. Se por um lado o nome de Guggenheim é referência internacional, devidamente incensado, o reverso da moeda traz uma face mais sombria.
Inclui um estado com homéricas dificuldades financeiras, como está o Paraná atualmente, museus clamando por reformas, como o Museu Paranaense, sem contar a incógnita da programação do Guggenheim. Até onde os acervos locais teriam algum tipo de prestígio?
Luiz Arthur Montes Ribeiro, artista plástico e coordenador do Fórum de Cultura do Paraná, toca justamente neste ponto. Ele se diz favorável "sem dúvida nenhuma" à vinda do famoso museu americano, mas é preciso estabelecer prioridades. A primeira delas, com urgência, seria a de estabelecer uma política aos museus públicos paranaenses, "que aliás se concentram em Curitiba".
A lista de melhoras ao setor reclamada por Ribeiro é quilométrica e passa, inclusive, pelos salões que proliferam no interior, pela falta de monitoramento às exposições até a ausência de qualquer tipo de apoio do governo aos artistas da terra, como fazem outros Estados. Então, a vinda de uma grande entidade mostra somente o fascínnio do poder pelo que é de fora, argumentou.
O Guggenheim, desde que se instale aqui, primeiramente vai cuidar de seu acervo próprio, que inclui artistas de variados países, para talvez, algum dia, voltar-se aos locais. "O governo e a sociedade não estão preparados para sua própria cultura. Primeiro temos que entender a nossa, para depois virmos a entender as demais", concluiu Ribeiro.
Esta não é a opinião de Zilda Fraletti Rubbo, proprietária da Galeria Fraletti Rubbo. A marchand foi até Bilbao para conhecer o Guggenheim e voltou impressionada. "Ele atrai gente do mundo todo, aumenta o turismo local. Ano passado teve uma exposição de artistas chineses e para lá foram aviões fretados da China". Esse movimento, acredita ela, poderá gerar recursos "até para melhorar os museus da cidade".
"Maravilhoso", aplaudiu o artista plástico Carlos Eduardo Zimmermmann."É fantástico ser incluído nesse rol, um prêmio para Curitiba", ele reagiu à nota da UOL, que dava certa a vinda do museu. "Vai trazer uma injeção de ânimo aos artistas locais". Ele entende ser um privilégio ter o Guggenheim na cidade, que além de "ajudar a fomentar a vida cultura com alto padrão de qualidade", ainda oferece programas de incentivo a artistas jovens e consagrados.
Sua colega Iara Teixeira trata o assunto com cautela. "A princípio vejo como uma coisa boa, mas depende de alguns fatores: como ele vai funcionar, como será sua implantação? Terá que ser feito com uma equipe séria, com reconhecimento, credibilidade". A viabilização econômica é outro ponto a ser discutido, pois seria necessária uma parceria com a iniciativa privada.
"A gente não pode deixar de pensar que os nossos museus precisam de reformas", atenta Iara. De qualquer modo, um Guggenheim na certa despertaria uma motivação a mais para a comunidade artística, além de ser um componente cultural da maior importância para todos.
O marchand Marco Melo, proprietário da Casa da Imagem, entende que a presença do museu americano em Curitiba poderá estabelecer "uma medida de profissionalismo aos demais museus", sem contar que "ele vem com uma bela coleção de artes, um acervo fantástico. A gente só tem a ganhar. Dou o meu voto à sua vinda e se tiver que sair em sua defesa, farei isso", afirma.
Luiz Fernando Guimarães, da Galeria Acaiaca, dá seu apoio para a idéia do museu ter sede em Curitiba, mas é cético a qualquer sonho idealista. "Este é um empreendimento econômico, o Museu Guggenheim vem com todo um pacote formado; é um grande comércio que se faz em torno e a arte é a última coisa a ser pensada. Essa é uma troca, não existe ingenuidade nessas negociações".
"Estou ouvindo tanto sobre as vantagens do Museu Guggenheim, mas até agora ninguém discutiu o custo que ele exige. Temos que ver que é uma franquia, o museu não vai dar um tostão. Ele oferece a franquia e não cede um dólar furado", argumenta Jorge Sade, também da Acaiaca.
Descrente de grandes movimentações turísticas, sucesso permanente de público e crítica, e gerador de recursos o marchand olha com desconfiança o empreendimento, mesmo porque é preciso lutar muito para tornar a cultura um bem primário. "Em Niterói tem o Museu de Niemeyer que é maravilhoso, mas e daí? Quem foi lá conhecer?", questiona.
As indagações de Sade são várias. Entre elas, qual a vantagem que advirá com o museu? Qual será, realmente, seu papel? E como ficarão "nossos pobres museus com seus pobres acervos? Quem vai bancar este projeto? "O Paraná e os outros estados estão todos afundados em dívidas", demole. Com sua retórica peculiar, cantarola: "Com que roupa eu vou, para o baile que o Guggenheim me convidou".