É simplesmente imperdível e inesquecível, para quem já viu, os espetáculos do Stuffed Puppet Theatre. Criado pelo ator Neville Tranter, um australiano que atualmente mora na Holanda, o teatro de bonecos encanta e mexe com as emoções. Sozinho no palco, Tranter vive o número de personagens que a história exigir. Simplesmente os bonecos têm vida própria e você esquece que existe um ser humano por trás. Ilusão? Não, apenas muita técnica aliada a um fascinante dom de trabalhar com esse tipo de teatro.
Em 1998, ''Macbeth'' encantou o público londrinense. Desta vez, Tranter apresenta a peça ''RE: Frankestein'', que mostra a ''perda da inocência, do amor que se transforma em ódio, do orgulho que ganha sentido de culpa'' e também do risco de se perseguir as ilusões, que podem levar à morte. Nada mais atual em tempos de clonagem. O espetáculo é apresentado nesta quarta e quinta-feira (28 e 29 de maio), no Teatro Zaqueu de Melo, como parte da programação do Festival Internacional de Londrina - Filo. Confira abaixo entrevista com Neville Tranter.
Bonde: Como você definiria o seu teatro de bonecos?
Neville: Antes de tudo, ele é para adultos. Os bonecos são grandes, às vezes menores, e são os verdadeiros atores. Mexem a boca, se movimentam. Eu fico sozinho no palco e apenas dou a ilusão de que nele há muitos atores. E tudo é feito em palcos abertos, tudo é muito claro. As pessoas vêem eu colocar as mãos por trás. O engraçado é que a ilusão fica mais forte, mesmo não havendo segredos.
Bonde: Quando você está atuando, os bonecos parecem estar vivos, principalmente se prestarmos atenção nos olhos deles.
Neville: Quando eu trabalho com os bonecos, realmente eles têm que parecer que estão vivos. Esse é o objetivo do trabalho. O público tem que acreditar nisso e depende do modo como os bonecos se movem, falam. É claro que sou eu que faço tudo isso, mas, no palco, eu tenho que desaparecer.
Bonde: Você se sente ''sozinho'' quando está no palco com os bonecos?
Neville: É claro que eu estou sozinho, mas eu também tenho que acreditar que eles estão vivos. É preciso haver um diálogo sincero entre eu e o boneco, e eu preciso acreditar que há uma criatura viva ao meu lado.
Bonde: Você tem que fazer um preparo vocal rigoroso para poder representar diversos personagens?
Neville: Em ''RE:Frankestein'' há apenas quatro personagens, mas, em Macbeth!, havia 13. Eu uso vozes que pertencem ao personagem e não acho o trabalho difícil.
Bonde: Qual a principal diferença entre teatro de bonecos para adultos e para crianças?
Neville: O teatro para adultos permite temas mais fortes e variações na atuação.
Bonde: Você fundou o Stuffed Puppet Theatre em 1976, quando terminou os seus estudos de arte dramática. E como surgiu essa idéia? Você teve outras experiências de arte dramática antes? Ou só com bonecos? Você foi influenciado pela ''Vila Sésamo''?
Neville: Bom, é importante frisar que a minha formação é de ator, e foi durante o curso que vi, pela primeira vez, um show tradicional de bonecos para criança. A partir daquele momento tive a certeza que trabalharia com aquilo. Foi algo instintivo. Passei a ver aquele tipo de espetáculo como algo maravilhoso, teatral, que chega até o público. Vi que podia fazer aquilo. Quando decidi ser um manipulador de bonecos, passei a assistir a 'Sesame Street' (é a versão norte-americana da Vila Sésamo) e aprendi muito com o programa. Fui forçado a encontrar o meu próprio estilo e achei que podia me dedicar aos adultos.
Bonde: Você acha que o teatro de bonecos é uma linguagem universal?
Neville: Sim. É como se fosse um teatro primitivo, que vai até as raízes do teatro. Eu já apresentei "RE: Frankestein" em muitas partes do mundo e as pessoas têm praticamente a mesma reação. É algo muito forte e universal, principalemte por causa dos bonecos, eles têm essa qualidade. Eles são muito puros. É importante cuidar das suas máscaras, dos seus olhos, que mostram a sua alma.
Bonde: Os olhos dos bonecos se movem?
Neville: Na verdade, não. É efeito da luz e da forma como movo os bonecos.
Bonde: Como os bonecos são feitos?
Neville: Sou eu mesmo quem faço. Eles são feitos de espuma e revestidos de silicone. Eu aprendi com uma das minhas professoras a fazer bonecos tradicionais de madeira. Depois, desenvolvi esse estilo.
Bonde: Você trabalha com temas complexos: ''Frankestein'', ''Macbeth!'', ''Kaspar Hauser''. É necessário um vasto conhecimento de mundo para entender as suas peças?
Neville: Não, porque, definitivamente, você tem que se identificar com os bonecos, os personagens. O público se identifica porque eles são muito humanos. Trabalham com sentimentos universais.
Bonde: ''RE: Frankestein'' pode ser visto como um questionamento sobre clonagem?
Neville: Com certeza. A peça lida com essa idéia.
Bonde: É perigoso tentarmos ''criar'' pessoas. É perigoso tentar ser Deus?
Neville: Essa é a tragédia da peça, até porque todos morrem no final. O médico, no início, é bom. Mas, depois, ele vai querendo superar os limites, tornando-se quase que um ditador, perdendo controle das coisas. E há consequências enormes. A humanidade é muito suscetível a ultrapassar os limites.
Bonde: Temos que respeitar os nossos limites ?
Neville: Eu acho que a idéia da peça mostra uma pessoa que foi contra os seus limites. E nós fazemos isso o tempo todo, fazemos coisas ruins também. Isso é muito humano. E o teatro tem o poder de mostrar isso, fazer as pessoas experimentarem isso. É uma forma importante de arte. Muito direta. É um diálogo original.