Em um mês foram lançados livros de autores e editoras diferentes, mas com títulos que dialogam entre si e criam um enredo: 'Cinco Mil Dias - O Brasil na Era do Lulismo', 'A Crise das Esquerdas' e 'Caminhos da Esquerda: Elementos para uma Reconstrução'.
Os 13 anos de governo petista, interrompidos com o traumático impeachment de Dilma Rousseff no ano passado, deixaram o campo ideológico da esquerda desorientado. A um ano das eleições gerais, o fio condutor das obras de Gilberto Maringoni e Juliano Medeiros; Aldo Fornazieri e Carlos Muanis; e Ruy Fausto é a autocrítica, ou a falta dela, como elemento de reconstrução do campo ideológico.
Da editora Boitempo, 'Cinco Mil Dias' teve a difícil tarefa de analisar, em 400 páginas, a era lulista, com ensaios de mais de 50 especialistas que falam desde a campanha eleitoral que alçou o PT à presidência, em 2002, a políticas públicas de gênero da gestão Dilma.
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Nas palavras de Maringoni, professor da Universidade Federal do ABC e um dos autores do livro: "o PT, pela própria voz da presidente Gleisi [Hoffmann, senadora e presidente do partido], afirmou não querer fazer autocrítica, para não ‘fortalecer o discurso dos adversários’. Não se trata de fazer uma autocrítica no sentido de flagelo religioso, mas de se avaliar escolhas feitas no governo. A ideia do livro é examinar a experiência lulista em diversas frentes - os rumos da política, da economia, dos direitos sociais etc e os avanços e recuos em cada área e onde houve acertos e erros".
Uma das maiores críticas da direita aos petistas, de que foram supostamente responsáveis por polarizar a esquerda e a direita, não ecoa nas páginas do livro da Boitempo. Nas palavras do organizador, Juliano Medeiros: "o sucesso do lulismo estaria, assim, em arbitrar pelo alto os conflitos sociais, despolarizando a dicotomia esquerda x direita e transformando-os em conflitos intraestatais, ocultando-os como tal". Ao internalizar o "conflito social", com um latifundiário à frente do Ministério da Agricultura e um médico petista no comandando a Saúde, o PT atestou o fracasso do tal pacto.
Com o mesmo objetivo de análise e reconstrução, autores se repetem nas diferentes obras. O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, aparece tanto em 'Cinco Mil Dias', quanto em 'A Crise das Esquerdas'. Neste segundo, ele também critica o "pacto de conciliação petista" - o que a seu ver deveria ter sido trocado por um "novo pacto socialmente sustentado".
Com um olhar ideologicamente rigoroso, Boulos assinala que o Minha Casa Minha Vida deu dinheiro para construtoras e o ProUni deu dinheiro para as universidades privadas. "Eu diria que a esquerda está condenada à revolução", adverte. Ao que Fornazieri, que o entrevista no livro, provoca: "tendo em vista a inviabilidade da revolução, no horizonte em que vemos a atual situação da América Latina, a esquerda está condenada é ao fracasso. A única estratégia possível é a redução dos males do capitalismo." Categórico, Boulos insiste: "vai haver convulsão social. Os próximos anos serão de crise social. Vai se colher o que esta política de austeridade está gerando."
Diferentemente de 'Cinco Mil Dias', 'A Crise das Esquerdas', em suas 266 páginas, vai além de uma "autocrítica interna" voltada para a militância de esquerda, mas apresenta um olhar amplo, histórico, que expõe desde as primeiras distorções provocadas pelo stalinismo, nos anos 1940, da antiga União Soviética, até a constatação, mais recente, de que os governos de esquerda "não conseguiram criar uma saída sistêmica em relação ao capitalismo", como afirma Fornazieri.
Tarso Genro, um dos fundadores do PT e um dos dez autores do livro de Fornazieri, defende que a crise não começou com o "desmantelamento da experiência soviética, mas tem raízes bem mais profundas". Genro deixa o alerta: "nunca a força da política e o apreço da utopia foram tão importantes".
Cientista político e superintendente da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Fausto define como um "desastre político" o "deslocamento do PSDB à direita e o colapso do PT". Resta, conclui, "esperar a atual crise decantar para se tirar conclusões".
Alguns elementos de solução, Ruy Fausto, que assina um artigo em 'A Crise das Esquerdas', apresenta em seu próprio livro, lançado na semana seguinte ao primeiro: 'Caminhos da Esquerda: Elementos para uma Reconstrução'. Todas as 216 páginas do livro são críticas à esquerda ou ao que o autor considera que se deve mudar. De formação clássica da esquerda, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) avalia que, para prosperar nesta crise, a esquerda deve se desvencilhar do que ele chama de "patologias". Dentre elas, o flerte com regimes totalitários, como a insistente exaltação da União Soviética. As outras duas patologias são: populismo e adesismo.
O balanço dos acertos e erros da experiência petista no poder é o primeiro para contornar a crise e reorganizar a esquerda, na avaliação de Juliano Medeiros. O último ensaio de 'Cinco Mil Dias', assinado pelo historiador e presidente da Fundação Lauro Campos, do PSOL, trata dos "desafios para uma esquerda pós-lulista".
Na avaliação de Medeiros, "pós-lulismo" é mais do que o fato de Lula ser ou não candidato em 2018 - como vem insistindo o ex-presidente, apesar de Moro tê-lo sentenciado à inelegibilidade. "Mesmo sendo Lula o candidato, é o começo do pós-lulismo, porque seria a última vez. Ou seja, já estamos vivendo uma transição em que o lulismo deixará, gradativamente, de ser a corrente hegemônica na esquerda brasileira. Mas ainda não sabemos o que virá no seu lugar", pontua. E, para isso, é necessária uma profunda renovação programática - a segunda tarefa para a esquerda pensar o futuro. O programa petista de conciliação e de abandono na tradição hegemônica na esquerda até então, segundo Medeiros, deixou a esquerda brasileira, no século 21, com um enorme "déficit programático".
Por fim, o terceiro desafio que o historiador propõe é a necessidade de uma nova "promessa de que é possível um caminho diferente no futuro". Promessa, segundo ele, para uma "geração inteira de militantes, desiludida com as inaceitáveis concessões feitas pelo partido". A sugestão de Medeiros, para se pensar 2018 e para além das eleições, é a construção de uma "esquerda horizontal, pluralista, radicalmente democrática e profundamente comprometida com os interesses dos explorados e oprimidos".