O mito de que o Brasil seria o país do mundo que mais protege seus ambientes naturais só prospera graças à ignorância acerca do que já foi destruído.
Não é incomum, por exemplo, que pedaços minúsculos de mata atlântica nordestina abriguem dezenas de espécies ameaçadas de aves num só lugar, e situações quase tão complicadas afetam trechos do cerrado ou da caatinga. Por sorte, não há nada de inevitável em tais cenários: é perfeitamente possível impedir a derrocada de componentes únicos dos ecossistemas brasileiros.
Essa conclusão esperançosa é a principal mensagem de "15 Histórias de Conservação", livro que celebra os 15 anos de existência da organização não governamental Save Brasil, dedicada à proteção de espécies de aves que correm risco de desaparecer no país. Escrito pelos biólogos Pedro Develey e Jaqueline Goerck e pela jornalista Maura Campanili, o livro é tanto uma crônica do trabalho de pesquisadores e conservacionistas quanto uma introdução aos métodos e à lógica da proteção de espécies ameaçadas.
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As aves são, por motivos óbvios (beleza da plumagem e do canto, facilidade de identificação, atratividade para turistas etc.), alvos privilegiados desse tipo de esforço em todos os lugares do mundo. O território brasileiro, além disso, é o segundo do mundo em riqueza de espécies do grupo (quase 2.000 registradas) e, infelizmente, o que abriga o maior número de aves em risco de extinção (no momento, 171 espécies).
A estratégia, portanto, é relativamente simples no papel: mapear geograficamente as aves ameaçadas e eleger o que se costuma chamar de "espécies-bandeiras" - bichos particularmente interessantes e carismáticos que podem funcionar como um tipo de guarda-chuva ecológico: protegendo o habitat deles, outras espécies relevantes e sob risco que o habitam também ficam protegidas, e todo mundo sai ganhando.
O trabalho da equipe da Save Brasil tem sido importante em ambos os aspectos, mas a coisa se torna especialmente complexa, exigindo a combinação das habilidades de pesquisa e conservação com sensibilidade cultural e boa dose de diplomacia, quando entra em cena a negociação para transformar áreas já muito degradadas e sob pressão econômica em reservas naturais.
Em alguns casos, a ONG e seus aliados chegaram a comprar propriedades rurais para transformá-las em RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), mas é muito difícil que esse tipo de abordagem resolva, sozinha, o problema de espécies de aves que precisam de áreas relativamente grandes para se deslocar, alimentar-se e formar uma população reprodutora viável, sem um excesso de cruzamentos consanguíneos, que podem afetar sua saúde a longo prazo.
É preciso, portanto, criar raízes em cada local, muitas vezes mostrando a comunidades pobres e relativamente isoladas que a presença de uma espécie ameaçada pode ser um trunfo econômico –por meio do turismo de observação de aves ou da produção agrícola com certificação ambiental, por exemplo– e uma maneira de garantir a qualidade do solo e do suprimento de água, dois tipos de patrimônio que só têm a ganhar quando há áreas saudáveis de floresta nas redondezas.
Exemplos de que isso é possível se multiplicaram no Nordeste, lar do acrobata (Acrobatornis fonsecai), descoberto apenas nos anos 1990 em matas úmidas do sul baiano e já ameaçado, e do gravatazeiro (Rhopornis ardesiacus), nativo de áreas mais secas, as matas de cipó do norte de Minas Gerais e regiões vizinhas da Bahia.
O acrobata, um parente do joão-de-barro, chamou a atenção por caçar insetos pendurado em galhos de ponta-cabeça e por viver nas cabrucas, plantações de cacau sombreadas pela mata nativa -o que permitiu que as iniciativas de conservação ajudassem na certificação do chocolate produzido na região.
Já a pequena cidade baiana de Boa Nova adotou o gravatazeiro, com suas elegantes listras brancas nas asas e olhos vermelhos, como motivo de orgulho municipal, diminuindo a caça e a retirada de lenha da mata e criando pousadas e restaurantes para os observadores de aves.
Mas talvez a história mais impressionante seja a de uma quase ressurreição. Depois de passar 75 anos sem ser vista, a rolinha-do-planalto (Columbina cyanopis), de olhos azuis e manchas de tonalidade semelhante nas asas cor de bronze, ressurgiu em 2015, em Botumirim (MG).
Registros anteriores da ave tinham sido feitos nos séculos 19 e 20 em Mato Grosso, São Paulo e Goiás, o que mostra como sua distribuição pode ter encolhido radicalmente. Calcula-se que restem menos de 30 indivíduos da espécie, número que deve ser melhorado em breve graças a um programa de reprodução em cativeiro.
A versão impressa do livro é enviada como brinde aos que se tornarem assinantes do plano Amigos da Save Brasil (custo mensal de R$ 10). Os interessados podem aderir ao plano acessando o site savebrasil.org.br.