No jogo "Resident Evil Village", o mais novo da franquia japonesa de terror, o personagem principal Ethan Winters sai em busca de sua filha, sequestrada por uma mulher endiabrada. O nome do bebê é Rosemary. A referência ao clássico de Roman Polanski revela muito sobre a franquia de games que acaba de completar um quarto de século de existência.
Há 25 anos, quando foi lançado, "Resident Evil" já demonstrava ter afinidade com o cinema. O jogo de horror de zumbis e ficção científica tinha roteiro, composição e enquadramentos que, por mais que tivessem suas falhas, emanavam uma aura cinematográfica que outros games japoneses lançados no mesmo ano não tinham, fosse "Super Mario 64" ou "Pokémon Red". Não por acaso, a franquia rendeu uma série de filmes que alçou Milla Jovovich ao estrelato.
Até hoje, games são considerados por muita gente uma mídia de nicho. Ainda assim, "Resident Evil", a partir dos anos 2000, ultrapassa a mureta dos jogos eletrônicos. Além de filme, virou livro, série e peça de teatro.
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"Village" chega num ano em que a velha franquia demonstra estar bem das pernas. Também foram anunciadas uma nova geração de filmes, com estreia em novembro, e uma série animada na Netflix, "No Escuro Absoluto", que será lançada em julho, além de uma nova empreitada em realidade virtual a partir de um jogo de 2005.
Histórias de zumbis como as conhecemos hoje têm suas raízes ligadas ao Haiti, país marcado pela escravidão de africanos, pelo colonialismo francês e pela ocupação dos Estados Unidos. Um caldeirão cultural onde floresceu a crença, ligada ao vodu, de que a morte era única saída da escravidão e um retorno espiritual à África.
Só que um suicida não poderia fazer esse retorno, de acordo com o que escreve a professora Amy Wilentz. Esse zumbi que não conseguiu voltar para casa é um dos principais ingredientes para entender os zumbis da cultura pop de hoje.
Em 1932, quando a ocupação americana no Haiti se aproximava do seu fim, estreou "Zumbi Branco", com Bela Lugosi. O filme, que se passa no Haiti, costuma ser visto como o primeiro do subgênero -que por muito tempo ficou quase que restrito a circuitos alternativos e em geral desagradava à crítica.
Se hoje passamos por uma era de ouro de filmes de terror de zumbi, "Resident Evil" merece seus tapinhas nas costas. A série de longas com Milla Jovovich foi um dos responsáveis por resgatar os zumbis dos filmes B e fixar a imagem deles no mainstream, onde está até hoje.
Em "Resident Evil", a megacorporação Umbrella, na tentativa de desenvolver armas químicas, é responsável por disseminar uma doença -na história, ela se origina na África- que transforma pessoas em zumbis.
Aos 25 anos, a franquia ainda consegue causar hype como poucos, vide o lançamento "Village", que fez viralizar a vilã grandona Alcina Dimitrescu. Só que, apesar de mostrar que sabe se reinventar, a regra agora parece ser a autorreferência.
"'Resident Evil Village' é fortemente inspirado em 'Resident Evil 4' [de 2005]. A partir do desenvolvimento de 'Resident Evil 7' [de 2017], nosso foco se voltou para nossas raízes, de jogo terror e de sobrevivência, e olhamos para o título original da franquia como um ponto de referência forte", diz Morimasa Sato, diretor do jogo.
Até hoje "Resident Evil 4" habita as listas de melhores games de todos os tempos. Jogos mais recentes elogiados pelo visual cinematográfico, como "The Last of Us", têm inspiração em "Resident Evil 4". "Acho que a lição importante foi que a equipe de desenvolvimento naquela época [2005] não tinha medo de correr riscos ao evoluir a franquia", diz Sato.
Hoje em dia, correr riscos não parece ser mais a estratégia, e a Capcom sinaliza seguir caminhos mais seguros, que provavelmente agradem mais a seus investidores. Nos últimos cinco anos, foram lançados dois remakes e um original, "Resident Evil 7", que referenciava fortemente o primeiro jogo da série, de 1996.
O sucesso longevo de "Resident Evil" tem também a ver com a forma como a indústria de games japonesa opera. Enquanto no Ocidente o videogame se dedica, nos anos 1980, a conquistar um público infantil e ser vendido como um brinquedo, no Japão os jogos sempre se posicionaram como entretenimento para todas as idades, conta Mauro Berimbau, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e analista do mercado de jogos, apontando um motivo pelo qual o Japão é o berço de tantas franquias imperecíveis.
A partir de uma aceitação inicial do primeiro jogo, em 1996, a Capcom soube como reaproveitar sua propriedade intelectual ad infinitum, sabendo se equilibrar entre conservadorismo e inovação. Estamos falando de um império de videogame, com um sem-número de investidores, que podem pular do barco se perceberem que estão perto de naufragar. "É um investimento muito mais seguro. Desenvolver títulos a partir de uma franquia, algo que já tem renome, é mais fácil do que construir algo do zero", diz Berimbau.
Só que nem sempre a Capcom sabe reciclar seu material. "O 'RE6' estava extrapolando já, forçaram a barra na história. Eles brecaram e disseram 'vamos recomeçar, vamos dar uma secada', foi meio que um recomeço para a franquia, um novo arco narrativo", diz Monique Alves, fundadora do site Resident Evil Database e veterana na Twitch brasileira, uma espécie de YouTube dos gamers.
E esse suco de zumbi espremido até o bagaço pela Capcom respingou em terras longínquas, onde desenvolvimento de videogame é uma indústria ainda modesta, o Brasil.
"Fobia", do estúdio indie Pulsatrix, de São Paulo, bebe direto da fonte de "Resident Evil". Também mistura terror com ficção científica e também tem um pezinho no cinema -a história tem como referência "O Iluminado", "It - A Coisa" e, claro, " O Bebê de Rosemary". Só que a maior inspiração se revela na jogabilidade, sobretudo nas mecânicas de inventário -como o jogador manipula e combina os itens que coleciona ao longo do game.
"A gente é uma equipe pequena, com poucos recursos, então a gente não tenta reinventar a roda, mas é um jogo tecnicamente bem feito que tem potencial para atingir o mundo inteiro", diz o diretor de arte, Fabio Martins.
O próprio "Resident Evil 7" foi comparado a "Outlast", um game de sobrevivência e horror que, por definição, deve muito aos "Resident Evil" dos anos 1990 e 2000. É uma prática comum nos games, onde a reapropriação reina entre os jogos independentes mas também entre os AAA, como são conhecidos os games blockbuster.
"Vai virando uma salada, galera vai pegando o que funciona", diz Thiago Matheus, diretor do estúdio. No caso de "Fobia" parece ter funcionado. O jogo, que agora concorre a melhor game no BIG Festival, voltado para o mercado independente brasileiro, não entrou em editais de fomento público e buscou o financiamento coletivo na internet, captando quase o dobro do que pretendiam.