Um chatbot com inteligência artificial que transmite confiança sobre diversos assuntos e responde aos usuários como se fosse uma pessoa já foi desenvolvido no Brasil. Há quase 20 anos.
O Robô Ed, criado pela empresa InBot para a Petrobras, foi ao ar em 2004 com a ideia de dar força a uma campanha de conscientização sobre o consumo de energia. Mas o personagem acabou tomando outra proporção.
Ed, que na verdade é uma sigla para "Energia e Desenvolvimento", funcionou por 12 anos, e chegou a responder 1 milhão de perguntas em um único dia --a marca geralmente era alcançada ao longo de um mês.
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Bancado pela estatal, seu desenvolvimento envolveu uma equipe de especialistas em diversas áreas, como programação, computação gráfica, linguística, energia e psicologia. O projeto começou com 7 funcionários e terminou com 3, em 2016.
Antes de o Robô Ed fazer sucesso, a InBot lançou em 2001 uma assistente virtual para a Unilever, a Sete Zoom. O chatbot imitava uma modelo, interagia com os usuários pelo ICQ --programa de mensagens instantâneas popular na época-- e até posava para ensaios sensuais.
Essa interface humana (ou algo do gênero) ajuda a esconder o fato de que o usuário está, na verdade, conversando com um programa de computador. No Robô Ed, foi aplicada de forma mais sutil, já que era voltado para o público infanto-juvenil.
O design carismático do personagem ajudou a conquistar um público que ou desbravava a ainda incipiente internet brasileira ou aprendia a fazê-lo. Esse aspecto lúdico também fez com que o robô fosse utilizado em salas de aula, segundo a InBot, que coleciona dezenas de menções ao Ed em pesquisas acadêmicas.
Desde o lançamento do ChatGPT, chatbot com inteligência artificial generativa da empresa OpenAI, em novembro de 2022, a versão brasileira ganhou uma série de homenagens nas redes sociais.
"O Robô Ed andou para que o ChatGPT pudesse correr", brincou uma usuária do Twitter. "O que é ChatGPT? É tipo um Robô Ed?", perguntou outra.
Mas, apesar de terem objetivos parecidos, o funcionamento é bastante diferente. Enquanto a base de dados do Robô Ed era alimentada por alguns dos sete funcionários da InBot, o ChatGPT tem acesso de forma automatizada a "uma vasta quantidade de informações coletadas até setembro de 2021", segundo ele próprio. Isso inclui textos, livros, artigos, sites, fóruns, periódicos científicos.
"O ChatGPT é muito mais autônomo. Apesar de passar por supervisão humana sobre o que é certo e o que é errado, o volume de conteúdo que foi usado para treiná-lo é muitas ordens de grandeza superior. São muitos terabytes de dados e um entendimento estatístico da estrutura da linguagem", explica Rodrigo Siqueira, fundador e chefe de tecnologia da InBot.
Enquanto o chatbot da OpenAI se arrisca a comentar sobre qualquer assunto e de incontáveis formas --esteja ele certo ou não--, o Robô Ed teve em seu auge 35 mil respostas diferentes.
"Foi o robô com a maior quantidade de conteúdo que produzimos. Quando a gente colocou ele no ar, tinha mais ou menos uns 2.000 tipos de respostas para assuntos diferentes. Ficávamos vendo quais os assuntos mais falados pelos usuários e, a partir daí, criávamos respostas para perguntas que ele não sabia responder", explica Siqueira.
"No começo era mais específico, depois foi ficando mais geral. Colocamos informações de saúde, dicas de relacionamento, culinária, tinha até uma psicóloga na equipe que colocava conteúdos para poder ajudar as pessoas".
O chatbot chegou até a comentar o noticiário político nacional. Ou melhor, não comentar. Em 2016, ano em que o projeto foi desligado, a reportagem questionou o Robô Ed sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. "Quando o assunto é polêmico, evito expor minha carinha de lata", disse.
O programa por trás do Robô Ed usava técnicas de Processamento de Linguagem Natural (NLP) para entender o conteúdo das mensagens mesmo se estivessem sem acentos, abreviadas e com erros gramaticais. O GPT-4, modelo mais avançado da OpenAI que alimenta o buscador Bing, da Microsoft, também, mas em outra escala.
Outra semelhança que o Robô Ed compartilha com o ChatGPT é sua capacidade de atrair usuários que querem quebrar as regras do jogo. Segundo o fundador da InBot, havia três tipos de pessoas acessando o chatbot: a que tentava ofendê-lo para ver sua reação; a que tentava fazê-lo quebrar suas próprias regras; e a que falava de assuntos sérios.
Quem quisesse aprender como fazer uma bomba caseira se decepcionaria, porque as respostas existentes já estavam no programa. Ed não era capaz de bolar respostas por conta própria baseando-se em sua base de dados, e por isso também não "alucinava", jargão usado para quando IAs de texto inventam informações. E não era muito provável que um chatbot educativo pudesse ensinar esse tipo de coisa.
A InBot hoje continua no mesmo ramo que deu origem ao Robô Ed. Entre seus clientes, estão a Ambev, o Bradesco e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para os quais também desenvolveu chatbots de atendimento. A empresa já começou a integrar o motor (API) do ChatGPT em seus produtos, e admite que o produto da OpenAI balançou o mercado de assistentes virtuais.
"Hoje há uma exigência de qualidade muito maior, porque antes os chatbots, na maioria das vezes, eram muito ruins. Se a pessoa escrevesse com uma letra errada, às vezes ele já não entendia. Agora as pessoas conversando com o ChatGPT estão acostumadas a ter respostas de qualidade, então as empresas estão procurando soluções melhores", disse Siqueira.
Apesar de serem encarados como novidade agora, em 2023, e também há 20 anos, a ideia de um computador que conversa com um ser humano é antiga. A primeira aplicação, chamada Eliza, foi desenvolvida entre 1964 e 1966 pelo cientista Joseph Weizenbaum, do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Em 1984, o código de uma versão traduzida da Eliza, chamada Carla, foi publicado na revista de informática brasileira Microhobby. Desde então, a área recebeu evoluções significativas.
Veja a linha do tempo dos chatbots, da Eliza ao ChatGPT:
1966 - Eliza
Desenvolvido por Joseph Weizenbaum no MIT, Eliza foi um dos primeiros programas de conversação baseados em regras. Ele simulava uma psicoterapeuta e foi projetado para responder a perguntas simples com base em padrões de linguagem.
1972 - Parry
Criado pelo psiquiatra Kenneth Colby na Universidade de Stanford, Parry era um chatbot que simulava um paciente com esquizofrenia. Foi desenvolvido para imitar as respostas e o comportamento de uma pessoa com essa condição. Alguns experimentos colocaram Eliza e Parry para interagir entre si.
1995 - Alice
Alice (sigla em inglês para Entidade Computacional Artificial Linguística na Internet), criado por Richard Wallace, foi um chatbot de processamento de linguagem natural disponibilizado na internet. Ele usava um código chamado AIML (Artificial Intelligence Markup Language) para processar e gerar respostas.
2011 - Siri
O lançamento do iPhone 4S foi acompanhado da Siri, assistente virtual com inteligência artificial que está presente até hoje nos produtos da Apple. A Siri usa o processamento de linguagem natural por voz para executar tarefas, responder a perguntas e auxiliar em atividades nos dispositivos da empresa.
2016 - Google Assistant
Assim como a Siri, o assistente virtual do Google se integra aos vários serviços e dispositivos da empresa. Ele também usa compreensão de linguagem natural e inteligência aritficial para fornecer assistência personalizada e executar tarefas.
2020 - GPT-3
O GPT-3 (Generative Pre-trained Transformer 3) é um modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI que foi treinado previamente com conteúdo de toda a internet para transformar uma demanda em uma resposta coerente e natural. Generativo porque dá impressão de que algo novo foi criado. O modelo é um dos maiores já criados, com 175 bilhões de parâmetros.
2022 - ChatGPT
O ChatGPT, lançado em novembro de 2022, é o chatbot desenvolvido pela OpenAI baseado no modelo GPT-3,5. Ele é capaz de gerar respostas coerentes para uma ampla variedade de perguntas e comandos. Tornou-se, nos meses seguintes, o parâmetro de possibilidades da inteligência artificial generativa.