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Antigos inimigos

'Homem-Aranha: Sem Volta para Casa' é cobra que morde a sua cauda

João Montanaro - Folhapress
15 dez 2021 às 16:10

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- reprodução/twitter
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É difícil falar de um filme como "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa", pois cada vez menos o que acontece nos filmes de super-herói é o que realmente importa na hora de vivenciar esses filmes. Em tempos em que nove a cada dez longas mais vistos no cinema são sequências, refilmagens ou adaptações, a originalidade de uma história se perde como ruído branco no fundo do imaginário coletivo.


Isso é do jogo, mas cada vez mais pessoas vão assistir a filmes não porque esperam algo novo, mas porque querem a confirmação dos boatos, pistas e teorias que pululam na internet enquanto o filme está em produção.

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Conforme o chamado Universo Cinematográfico da Marvel foi se estabelecendo, a catarse do público deixou de ser pautada pela experiência narrativa e visual das suas partes, e suas eventuais intersecções, para se voltar a momentos em que as expectativas do público eram reverenciadas e novas esperanças eram criadas.

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O cinema vem abaixo a cada participação especial de um personagem obscuro que pode ou não vir a ser importante no futuro; ou quando um momento icônico da mitologia do personagem finalmente acontece depois de ser protelado por duas ou três sequências. Ou quando o personagem do filme A aparece para salvar o dia no clímax do filme do personagem B.

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A película autorreferencial tomou toda a geografia desses filmes e passou a ser ela própria a geografia. Permeando essa atmosfera, temos também a ojeriza pelo "spoiler". Mas não estamos falando de estragar a experiência narrativa de um filme contando mais do que o necessário sobre a sua trama, ou estragando a reviravolta que acontece no arco dramático de um personagem ao revelar que ele, no fim, era um fantasma durante toda a duração do filme.


O público hoje tem medo de ter a confirmação dessas expectativas específicas –que no fundo sabe que vai receber– e de terem reveladas as novas expectativas específicas que o filme criará. Mas, desculpe, isso não faz um filme. E essa dinâmica chega ao ponto do absurdo em "Homem-Aranha: Sem Volta para Casa". O filme é a própria ouroboros, a serpente que morde a própria cauda, do cinema de super-heróis.

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Na trama, o jovem Peter Parker, vivido por Tom Holland, tem sua identidade secreta revelada para o mundo pelo vilão de "Homem-Aranha: Longe de Casa", de 2019, e isso acaba em consequências catastróficas para si e os seus. Ele então decide pedir ajuda ao Doutor Estranho e propõe ao mago que use a sua mágica para fazer com que todos esqueçam de que o Homem-Aranha é Parker na realidade.


Mas, quando o excesso de alívio cômico atrapalha a execução do feitiço, figuras de outros universos invadem o seu para perseguir o herói –isto é, vilões das versões anteriores. Resta ao garoto localizar esses invasores de outros filmes e retornar todos eles aos seus respectivos universos.

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A premissa absurda e autorreferencial não é em si um problema. A animação "Homem-Aranha no Aranhaverso", protagonizada por Miles Morales, o Homem-Aranha negro, usa essas exatas ferramentas para criar um vívido remix de referências que extrapola a autorreferência e expande suas possibilidades narrativas e visuais –como samples se emaranhando de forma harmônica e cativante em um álbum de rap. Não há nada de novo ali e o filme sabe disso, quer explorar isso e contar uma história a partir disso.


Em "Sem Volta para Casa", os samples compõem uma mixtape barata que apela para a nostalgia para ser escutável. Há pouquíssimos momentos em que essas referências se interligam de forma coesa em prol de um desenvolvimento dramático não artificial de algum personagem.

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Na maioria das vezes, o intuito é levar o público a sentir coisas por algo que já viu e sentiu antes, mas o que muda é um detalhe aqui e a inserção de uma piada ali. A emoção continua de segunda mão. O filme também briga constantemente para equilibrar os diferentes tons estabelecidos nas outras franquias –o melodrama da trilogia do Sam Raimi e o romance de formação dos dois filmes de Marc Webb– com o tom de aventura escolar da nova franquia. Corpos estranhos dentro do seu universo podem realmente pôr o tecido do espaço-tempo em risco, não é?


Atenção para o spoiler, que não é bem spoiler, já que tudo na premissa e material de divulgação aponta para isso. A partir daqui não é muito difícil imaginar que Peter Parker, papel de Tom Holland, vai acabar recebendo a ajuda do Peter Parker de Tobey Maguire e do Peter Parker de Andrew Garfield para salvar o dia. Mas esse falso mistério diz muito sobre a nova experiência cinematográfica.

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O filme cresce pela expectativa de talvez se ver o mais do mesmo de novo. O público sai feliz pela confirmação e começa a cozinhar a próxima expectativa específica que plantaram nesse filme. O que acontece entre esses pontos de satisfação só precisa parecer um filme.


HOMEM-ARANHA: SEM VOLTA PARA CASA

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Quando: Estreia na quinta (16)

Onde: Nos cinemas

Classificação: 12 anos

Elenco: Tom Holland, Zendaya, Benedict Cumberbatch

Direção: Jon Watts

Avaliação: Regular


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